Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 03, 2005

ENTREVISTA-Eduardo Jorge:"Não acharam dólar na minha cueca"


ISTO É DINHEIRO


Eduardo Jorge

Ex-secretário-geral de FHC quebra o silêncio e nega participação no esquema do juiz Nicolau. Diz que não houve Caixa 2 nas campanhas de Fernando Henrique Cardoso e acusa o PT de corrupção


Por ALINE LIMA

Durante quatro anos, entre 1995 e 1998, Eduardo Jorge Caldas Pereira ocupou um posto chave no organograma da República: secretário geral da Presidência. Um cargo de confiança máxima, com uma sala ao lado da do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Saiu do governo sob uma avalanche de denúncias. Entre elas, a de que teria colaborado na liberação de recursos para a obra superfaturada do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Eduardo Jorge nega tudo. Nesta entrevista à DINHEIRO, diz que as conversas que teve com o juiz Nicolau dos Santos Neto, pivô do escândalo do TRT, tratavam apenas da nomeação de juízes para os fóruns trabalhistas de São Paulo. E diz que corrupto é o governo do PT. "Com muito menos provas do que se tem hoje, o Collor foi tirado do poder. " Fora da vida pública desde 1999, recolhido à consultoria que criou, o ex-secretário refere-se a si próprio na terceira pessoa sempre que o assunto são as denúncias contra ele. "No caso Eduardo Jorge não encontraram um dólar na cueca", provoca. Aos 63 anos, ele descarta a possibilidade de voltar a ocupar um cargo público, mas continua político e provoca: "o PSDB ganha do PT em 2006 com qualquer candidato".

DINHEIRO – O senhor foi acusado de facilitar o envio de verbas para a obra superfaturada do TRT paulista. Como o dinheiro era liberado?
EDUARDO JORGE
– Em primeiro lugar, eu não fui acusado de nada. Houve uma grande campanha de procuradores e da imprensa na qual foram levantadas apenas hipóteses. Ninguém nunca chegou a dizer "eu acuso Eduardo Jorge". Por lei, as verbas do Judiciário não podem estar sujeitas a contingenciamento. Os recursos são liberados em dotações mensais iguais, em geral para os tribunais superiores, que os distribuem, por sua vez, para fóruns regionais. Mesmo que os contatos feitos entre mim e o juiz Nicolau para liberar verbas fossem verdade, eu não teria nenhum poder para fazer com que o dinheiro chegasse exatamente ao contrato de construção do TRT.

DINHEIRO – E por que houve pedidos de suplementação de verba entre 1995 e 1996, quando o TCU já havia apontado indícios de desvios?
EDUARDO JORGE
– A suplementação não foi feita por mim. Não existe nenhuma demonstração de interferência minha. As suplementações para o TRT foram feitas por muitas fontes, entre elas a própria Justiça do Trabalho. Alguns procuradores de São Paulo é que levantaram a suspeita de desvio, num processo que nem era público.

DINHEIRO – Se as conversas entre o senhor e o juiz Nicolau dos Santos Neto, nas 177 ligações identificadas, não eram sobre liberação de verbas para a construção do TRT, qual era o assunto?
EDUARDO JORGE
– Não existiram 177 ligações, e sim tentativas de ligação. A maioria dos telefonemas durava de 10 a 30 segundos, prova de que não houve contato. Houve, de fato, cerca de trinta ligações, mas o assunto era a nomeação, pelo presidente da República, de juizes para os TRTs de São Paulo e Campinas.

DINHEIRO – A indicação de juízes não é ilegal. Mas pode ser considerada uma atitude imoral? Não configura tráfico de influência?
EDUARDO JORGE
– Isso não é imoral nem antiético. Teria sido tráfico de influência se eu recebesse uma vantagem indevida para fazer com que um agente público tomasse alguma decisão contrária ao interesse público. O que eu fazia, como encarregado de analisar o processo de escolha numa lista com um monte de gente indicada, era aconselhar o presidente sobre quem nomear. Por isso, eu recebia ligações de membros do Judiciário do Brasil inteiro, de deputados, cardeais, governadores, enfim, de muita gente fornecendo informações. O juiz Nicolau, logo no início do governo, se dispôs a ajudar, dando informações sobre os candidatos. E eu aceitei.

DINHEIRO – Foi o juiz Nicolau quem o procurou?
EDUARDO JORGE
– Sim, ele me procurou.

DINHEIRO – Não é estranho que o juiz tenha se antecipado em ajudar ao governo sem nenhuma contrapartida?
EDUARDO JORGE
– Não sei. Mais tarde se viu que ele pediu para ser nomeado representante da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) em São Paulo. Talvez fosse essa a contrapartida.

DINHEIRO – Ou mais verbas para o TRT?
EDUARDO JORGE
– Mas eu não era a pessoa que tratava de verbas. Além disso, as verbas do Judiciário são liberadas dentro de critérios uniformes. A mesma percentagem que é liberada para o Tribunal do Trabalho também é autorizada para o Tribunal Eleitoral. O executivo libera para o TST, que decide como dividir.

DINHEIRO – Quais as razões para se querer escolher juizes de fórum trabalhista?
EDUARDO JORGE
– A legislação permite ao presidente escolher juízes. Isso significa que ele escolhe aquele cuja filosofia jurídica é compatível com o seu programa de governo. O Bush acaba de indicar um juiz para a Suprema Corte. Qual o critério? Um conservador, que fosse contra o aborto. São essas coisas que um presidente tem que olhar. No nosso caso, estávamos num processo de transformação da economia brasileira. A gente achava que, para acabar com a inflação, era necessário também acabar com a indexação. Ou seja, com a correção automática dos salários baseada em índices de inflação. Nós procuramos encontrar juizes do trabalho que concordassem com essa teoria.

DINHEIRO – O deputado José Dirceu admitiu ter cometido uma injustiça contra o senhor.
EDUARDO JORGE
– Esse reconhecimento do José Dirceu é oportunista. Se o José Dirceu tivesse feito isso há um ano, eu ficaria orgulhoso e diria: "ele é um homem correto". Mas ele só se retratou quando estava contra a parede. Ele está manipulando.

DINHEIRO – E agora o senhor está na Justiça contra o Ministério Público?
EDUARDO JORGE
– Eu estou movendo uma ação cível contra os procuradores Luiz Francisco e Guilherme Schelb e contra a União por danos morais, além de queixas por faltas funcionais, improbidade administrativa e crime do Ministério Público.

DINHEIRO – O senhor é a favor da Lei da Mordaça?
EDUARDO JORGE
– Eu sou a favor de uma lei de controle do Ministério Público. A Constituição fixa para os procuradores o princípio da independência funcional. Isso criou um monstrengo, um órgão em que seus componentes não têm hierarquia, não seguem a orientação de ninguém e não prestam contas a ninguém. E o único critério para ocuparem esse cargo é passar em concurso público.

DINHEIRO – Mas é necessária uma lei específica? A Constituição já não resguarda os direitos do cidadão?
EDUARDO JORGE
– O meu direito de cidadão não está resguardado até hoje. Já demonstrei no Ministério Público, com provas materiais, os abusos e crimes que eles cometeram contra mim. Existe um inquérito aberto há cinco anos, sem evidência de que eu tenha feito nada de errado, e eles não arquivam.

DINHEIRO – Há paralelos entre a perseguição de que o senhor se diz vítima e o que acontece com o PT hoje?
EDUARDO JORGE
– Não acho que seja a mesma perseguição. Não estou dizendo que todos os procuradores que estão atrás do PT estão por razões corretas. Pode ser que algum queira notoriedade ou esteja promovendo uma perseguição política. Mas o fato é que no caso Eduardo Jorge não encontraram um dólar na cueca, contas no exterior, dinheiro sendo distribuído a parlamentares nem Caixa 2. A única coisa que disseram é que eu falei com alguém e poderia estar mal intencionado.

DINHEIRO – Uma planilha em poder do Ministério Público indicava, na época, um Caixa 2 de cerca de R$ 10 milhões para a campanha de reeleição do presidente Fernando Henrique.
EDUARDO JORGE
– Não se trata de um documento, mas de uma planilha apócrifa que pode ter sido montada por qualquer um. Eu não tive nada com o financiamento de campanha. Eu era o gastador, não o arrecadador. Quem estava na coordenação financeira era o (ex-ministro da Fazenda) Bresser (Pereira). O Bresser reconhece que a campanha tinha uma planilha equivalente àquela (que vazou para a imprensa). Mas diz que era uma planilha de orçamento, ou seja, com o desejo de arrecadar, e não uma planilha de execução.

DINHEIRO – O presidente Lula disse que o PT fez o que se faz sistematicamente em todos os governos. O PSDB também fez Caixa 2?
EDUARDO JORGE
– Eu não fiz Caixa 2 em nenhuma das campanhas do Fernando Henrique. E não tenho conhecimento de que o PSDB tenha feito.

DINHEIRO – Mas o Eduardo Azeredo teve que deixar a presidência do PSDB por conta disso.
EDUARDO JORGE
– Acho que o PSDB errou na questão do Eduardo Azeredo. O que se está apurando é corrupção grossa dentro do governo. O problema do Eduardo Azeredo é diferente. O empréstimo que o Marcos Valério recebeu não teve a garantia do governo mineiro. O dinheiro desses empréstimos foi entregue a deputados que já haviam sido derrotados, que não participaram da campanha no segundo turno. O pagamento foi feito no mandato posterior, quando Azeredo não ocupava nenhum cargo público. Logo, o dinheiro não veio de recursos públicos.

DINHEIRO – O senhor pretende trabalhar para o partido nas eleições de 2006?
EDUARDO JORGE
– Se o partido quiser que eu trabalhe, farei com todas as minhas forças.

"Não tive nada com financiamento da campanha de reeleição. Isso era com o Bresser"

DINHEIRO – E qual o candidato de sua preferência?
EDUARDO JORGE
– Aquele que o partido escolher. Não acho que vai ser uma campanha fácil. Mas qualquer um do PSDB ganha do Lula.

DINHEIRO – É este o reflexo eleitoral das denúncias contra o governo Lula?
EDUARDO JORGE
– O que está se fazendo contra o Lula hoje é com muita prudência. A oposição está agindo com extremo cuidado e patriotismo. Com muito menos provas do que se tem hoje, o Collor foi tirado do poder. As provas objetivas contra o Lula pessoalmente são mais fortes que as provas objetivas contra o Collor.

DINHEIRO – O PT diz que as provas da existência do mensalão não apareceram.
EDUARDO JORGE
– O que o Lula e o José Dirceu estão tentando fazer agora é imitar Goebbels (Joseph Goebbels, chefe da propaganda nazista): repita uma mentira mil vezes que ela se tornará verdade. Está provado que o PT fez Caixa 2 na campanha de 2002 e que transferiu recursos para compra de votos no Congresso para a sustentação da base.

DINHEIRO – Estes são motivos suficientes para um impeachment?
EDUARDO JORGE
– Tecnicamente, sim. Mas politicamente o Brasil não está pedindo impeachment. E como impeachment não é uma questão só técnica, mas também política, é preciso levar em consideração a vontade do País.

DINHEIRO – Ainda assim o senhor quer continuar na vida pública?
EDUARDO JORGE
– Eu não quero voltar a participar de nenhum governo. Acho que o preço que paguei foi exagerado. Mas isso não quer dizer que não acredite em política, não faça política e não ajude o meu partido.

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