"A advogada de Pimenta Neves foge de entrevista como o diabo da cruz. Desconfio que esteja certa. Quanto menos a opinião pública se lembrar de que um assassino confesso está livre, melhor para o assassino"
Na radiografia de uma sociedade brutalmente desigual como a brasileira, a Justiça acaba de produzir mais um retrato primoroso.
Começando pelo retrato dos que sempre levam a melhor: o jornalista Antônio Pimenta Neves matou sua ex-namorada com dois tiros em agosto de 2000. Fugiu, mas acabou se entregando pouco depois. Ficou preso por uma temporada e conseguiu o direito de aguardar pelo julgamento em liberdade. É um homicida confesso. Lá se vão mais de cinco anos desde que matou Sandra Gomide, então com 32 anos. Pimenta Neves não foi julgado até hoje. Está solto. Sua advogada, Ilana Müller, foge de entrevista como o diabo da cruz. Não quer falar do caso. Desconfio que esteja coberta de razão. Quanto menos a opinião pública se lembrar de que um assassino confesso está livre até hoje, melhor para o assassino. Pimenta Neves tem hoje 68 anos. Se conseguir arrastar seu julgamento até completar 70, poderá escapar da prisão.
Agora, o retrato dos que sempre levam a pior: Iolanda Figueiral é ex-bóia-fria, paciente terminal de câncer (no ovário e no intestino) e está jogada sobre uma cama numa penitenciária de São Paulo. Seu caso apareceu nos jornais na semana passada. Ela é acusada de traficar uns gramas de crack, acusação que nega e pela qual não foi condenada, mas, mesmo assim, está devidamente enjaulada. Iolanda Figueiral é uma pobre coitada, ganha 300 reais por mês de aposentadoria. Está presa porque tráfico de drogas faz parte da aberração criada pelo gênio jurídico brasileiro – o tal do "crime hediondo" – e, portanto, ela não tem o direito de esperar o julgamento em liberdade. Ainda que negue o crime. Ainda que não tenha antecedentes criminais. Ainda que esteja morrendo na prisão. Ainda que sua soltura seja um imperativo humanitário. Iolanda tem 79 anos.
Enquanto Pimenta Neves fica solto, e Iolanda morre na prisão, o que fazem os juízes brasileiros?
Enquanto Paulo Maluf ganha a liberdade porque afinal estava doente e já tem 74 anos, e Iolanda morre numa prisão, o que fazem os juízes brasileiros?
Enquanto o banqueiro Salvatore Cacciola desfruta a liberdade na Itália depois de fugir do país aproveitando a liberdade que lhe deram, e Iolanda morre numa prisão, o que fazem os juízes brasileiros?
Muitos, provavelmente a maioria, estão cumprindo seu dever da melhor maneira possível – mas há os que parecem ter optado pelo acinte. Um grupo de juízes, por exemplo, está neste momento, justamente neste momento, preocupado com uma resolução do Conselho Nacional de Justiça, que deu um prazo para acabar com o nepotismo nos tribunais de Justiça. São magistrados que resistem a ter de demitir dos tribunais aquela penca formada por seus filhos, noras, sogros, esposa, irmãos, sobrinhos, netos, tios... Um dos mais empenhados em barrar a resolução é o desembargador Elpídio Donizetti Nunes, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Sua mulher e sua sogra trabalham no tribunal.
Só pode ser deboche.