Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Miriam Leitão Mal crônico

O GLOBO

É espantosa a incompetência do atual governo em tirar projetos do papel. Um olhar para o que eles disseram em 2003 ajuda a perceber o tamanho da paralisia. Naquele ano, o então ministro Guido Mantega divulgou o PPA e garantiu aos jornalistas que os planos eram "realistas". Na infra-estrutura, uma grande parte dependia das PPPs, projeto que já fracassou. A ministra Dilma Rousseff prometeu um marco regulatório que traria montanhas de investimentos.

O site do Ministério do Planejamento poderá socorrer a memória do próprio governo. Basta ir em palestras e apresentações; lá se encontra uma que é a apresentação do PPA, de 2003, feita pelo então ministro Mantega. Nela, ele dizia: "É realista."

Existem números mirabolantes. O país investiria até 2007 mais de R$ 400 bilhões ao ano, na área social e na infra-estrutura. Acabaria com o analfabetismo, cruzaria o Brasil com rodovias e ferrovias. Particularmente impressionantes são os mapas em que se vêem em linhas vermelhas os finados projetos. Dessa dinheirama que representa o total da arrecadação federal em um ano, 70% viriam do orçamento fiscal e da seguridade. Nos projetos de parceria do governo, haveria investimentos de R$ 55 bilhões até 2007.

Nesses planos, estão a recuperação e a manutenção de 43 mil quilômetros de rodovias e a construção de outros 5.500km; além da construção de 2.400km de ferrovia, implantação de 10.000km de hidrovia e aumento da capacidade portuária em 200 milhões de toneladas.

O governo está acabando. Percebe-se isso até pelo fato de que o presidente Louva-eu-Lula da Silva não sai do palanque, batendo diariamente no peito, elogiando-se por suas grandes obras, inéditas, jamais vistas na História, que superariam, pelo seu entendimento, todos os governos anteriores.

Daqui a pouco mais de quatro meses, termina o prazo em que o governo pode contratar novos projetos e ele não conseguiu fazer uma PPP, porque se perdeu em miudezas burocráticas para tornar realidade o que alegava ser a solução que inventara para evitar os erros da privatização. Não era invenção do atual governo, tanto que os governos estaduais foram até mais ágeis e já fecharam contratos. O federal nem fez PPP, nem licitou um único quilômetro de estrada e alega estar gastando R$ 7 bilhões em obras do Ministério dos Transportes, apesar da deterioração visível da malha rodoviária.

Enquanto o governo fica parado no meio da estrada atrapalhando o tráfego, o país aumenta o movimento nas estradas precárias. O Brasil está produzindo mais, transportando mais, exportando mais e importando mais. Só para se ter uma idéia, a venda de caminhões aumentou 26% no ano passado. O volume de carga transportada por ferrovia aumentou 9,7% em 2003 e 9,1% em 2004. A densidade média de tráfego ferroviário aumentou 30% só no ano passado.

Mesmo com o governo parado, o setor de transportes conseguiu crescer — um pouco — com as privatizações. As feitas nos portos, nas ferrovias e nas rodovias evitaram, ou adiaram, o apagão logístico nas exportações.

Na energia, a então ministra Dilma Rousseff disse que tinha preparado um plano que faria crescer os investimentos privados no Brasil porque aumentaria a certeza regulatória. Os investidores não devem estar se sentindo seguros com o projeto da ministra, porque os investimentos não deslancharam. Pelo contrário, o enfraquecimento das agências, que o governo planejou e executou tão bem, aumentou a incerteza regulatória. Uma das ferramentas usadas para enfraquecer todas as agências foi a do uso da nomeação de aliados para cargos nas agências que deveriam ser independentes.

Três leilões de energia já foram feitos desde dezembro do ano passado; todos para contratar a energia "velha" e todos tiveram um resultado aquém do esperado; os investidores privados acusaram o governo de usar as estatais de energia para manipular os preços. Um novo leilão será feito no próximo dia 16. Ele poderá dar uma noção, na prática, do que os investidores já estão sinalizando:

— Os investidores privados não querem nem saber deste novo leilão. Muitos estão com concessões ainda do modelo anterior; são cerca de 4 mil megawatts de projetos que nem começaram a ser construídos porque não valia a pena — conta o especialista em energia, Erik Rego, da Excelência Energética.

Nos últimos quatro anos, a despeito de todos os entusiasmados planos da ministra, nenhum grande projeto de geração de energia começou a ser executado no país.

Agora o ano está chegando ao fim e o governo sai liberando dinheiro como se fosse fim de feira; liquidação. Esse é o caminho mais curto para erros de gestão, desvios, desperdícios. A área econômica segurou mais do que devia, mas os ministérios setoriais não tiveram agilidade para pôr projetos na rua. A solução não é agora fazer jorrar recursos aos borbotões da Presidência da República.

O fato é que este governo está em sua etapa final. Acertou em algumas coisas; errou muito em outras. Tem pouquíssimo tempo para pôr algum projeto na rua; talvez, se tiver sorte e for ágil, consegue aprovar duas PPPs antes de abril. Mas fracassou no seu projeto de montar parcerias e alavancar investimentos privados. Vai tentar mais um mandato. Recomenda-se que tome algumas doses de humildade, autocrítica e realismo. Com isso, poderá ver onde errou e apresentar ao eleitorado seu plano para corrigir as falhas do atual mandato.


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