O GLOBO
Denunciando a maneira como se discute irresponsavelmente no Congresso mudanças de legislação mesmo fora do prazo legal, a emenda constitucional que acaba com a verticalização nas eleições do próximo ano não pôde ser votada ontem por um ridículo erro de data, descoberto pelo deputado Miro Teixeira, no avulso que foi distribuído para os deputados tomarem conhecimento do texto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.
Nem o presidente da sessão, deputado Thomaz Nonô, sabia o que estava sendo votado, nem o relator da matéria, deputado Pauderney Avelino, sabia o que fora aprovado. No texto, a medida estava sendo aprovada para vigorar na eleição de 2002 e, segundo os especialistas, esse é um "vício insanável" que deveria levar ao arquivamento da matéria.
Mas o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, estava à noite tentando uma solução para manter o fim da verticalização em votação ainda hoje. Nada indica, porém, que haja tema capaz de unir os 308 votos na Câmara para aprovar qualquer emenda constitucional a esta altura da crise política, ainda mais uma polêmica como essa. Mas que razões existiriam para que partidos como o PMDB, ou os chamados partidos do mensalão — PP, PL, PTB — se coloquem contra a verticalização? E por que, ao contrário, a bancada do PT se colocou a favor da verticalização, contra a opinião de sua cúpula dirigente?
O PMDB ficaria impedido de lançar uma candidatura própria, pois não poderia fazer face aos diversificados interesses políticos de sua verdadeira federação de alianças regionais. Por exemplo, uma aliança nacional entre PT e PMDB é possível, mas não no Rio Grande do Sul. Os pequenos partidos teriam que se coligar com o PT nacionalmente, ou teriam mais dificuldade de fazer composições regionais, pois a coligação nacional do PT seria apenas com o PSB e o PCdoB.
A bancada nacional do PT quer evitar essas alianças regionais com os pequenos partidos, preferindo manter uma coligação "pura" de esquerda, mas esta estratégia não atende aos interesses do Palácio do Planalto, que quer aparecer nacionalmente com a esquerda, mas quer garantir o apoio do mensaleiros nos grotões do país.
Com a verticalização, o PFL e o PMDB poderiam, finalmente, fazer uma coligação que é tentada desde a eleição de 2002, mas nunca sai do papel porque acaba esbarrando em interesses regionais específicos, como na Bahia. E mesmo uma aliança entre PSDB e PFL, bastante provável na próxima eleição, terá problemas na Bahia, onde o grupo do deputado Jutahy Magalhães é adversário ferrenho do grupo do senador Antonio Carlos Magalhães.
Desaparece, para o PMDB, a possibilidade de barganhar o cargo de vice-presidente, ameaçando lançar candidato próprio para ver quem dá mais, estratégia que deu certo em 2002 mesmo com a verticalização, mas que fez com que vários líderes partidários simplesmente abandonassem a candidatura Serra e, por baixo do pano, apoiassem Lula, aprofundando a fama de oportunista da legenda.
A questão da verticalização é polêmica não apenas entre os políticos, mas também entre os especialistas. O sociólogo Bolívar Lamounier acha que o espírito dessa medida é correto, mas nunca acreditou que pudesse dar certo, pois foi imposta pela goela abaixo ao meio político, de afogadilho e como providência isolada.
Já o cientista político Sérgio Abranches sempre foi contra a verticalização. Para ele, "negar a possibilidade de alianças indiferenciadas nos planos nacional e estadual é não entender a lógica federativa no Brasil, que é multipartidária e não bipartidária como no EUA e na Argentina".
Abranches lembra que no México, o PRI era hegemônico nacionalmente, mas foi perdendo espaço nos estados, até perder a Presidência para o PAN. Do que ele conclui que "a diferenciação estadual do voto tem força democratizante relevante". Como exemplo ele diz que se não fosse esse efeito democratizante, o PT não teria prosperado do plano municipal para o nacional/presidencial.
Outro efeito da verticalização seria "fragmentar mais o primeiro turno presidencial e dificultar a formação de coalizões de governo mais harmônicas, por causa dos vetos estaduais às coligações nacionais". Para Sérgio Abranches, ser a favor da verticalização é não entender a lógica do sistema partidário no Brasil, que teria "vários subsistemas": um nacional/presidencial; outro federal/parlamentar; outros estaduais e outros municipais.
Para ele, a verticalização foi uma tentativa fracassada de impor os interesses da aliança nacional aos estados. "Por causa dos vetos estaduais, ocorreu o contrário: a verticalização impediu e continuará impedindo determinadas alianças. O seu fracasso a transformou numa arma de veto".
O presidente do PMDB, deputado Michel Temer, tem um argumento contra a verticalização que parece racional, mas na verdade, traz dentro de si um raciocínio favorável à verticalização. Diz Temer, que defende a candidatura própria do PMDB e talvez chegue mesmo a defender o apoio do partido a Garotinho só para impedir que o presidente do Senado, Renan Calheiros, possa vir a ser um eventual vice de Lula, que a verticalização seria uma boa medida se houvesse no país apenas quatro a cinco partidos, mas com 28 siglas fica impossível organizar as alianças políticas.
Na verdade, só existem tantas siglas partidárias porque nosso sistema político não funciona a contento, e há partidos que só existem para vender seus tempos de televisão. Se mantivermos a verticalização e as cláusulas de barreira que estão previstas para entrar em vigor na próxima eleição (que exigem 5% de votos nacionais, com pelo menos 2% em pelo menos nove estados), provavelmente teremos em 2010 apenas meia dúzia de partidos aptos a serem representados no Congresso.