Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 03, 2005

Miriam Leitão Causas da queda

O GLOBO

O PIB do terceiro trimestre confirma a tese — que defendi aqui várias vezes — de que carro se blinda, economia não. Os fatos estão todos ligados e a economia não pode ter uma trajetória autônoma como se ocorresse num mundo isolado. Seis meses dessa longa, complexa e exasperante crise retraíram investimentos, adiaram decisões, derrubaram expectativas e murcharam o PIB.

Não é a única causa do desastre do terceiro trimestre. Há outros problemas. O maior deles, a taxa de juros alta demais, apesar de o Brasil ser mais complexo do que parece nos discursos inflamados de Paulo Skaf. Ele mesmo — e todos os filiados à Fiesp — não pagam 18,5% de taxa de juros. Pagam TJLP mais spread nos seus investimentos de longo prazo. Quem paga essa taxa é o governo. Uma empresa brasileira, se vai ao banco pegar empréstimo para capital de giro, paga CDI mais um taxa de risco, ou seja, uns 20%. Se vai ao BNDES, paga, na pior das hipóteses, sete pontos percentuais abaixo disso. O BNDES não consegue fazer captação de longo prazo, porque, se ele empresta a uma taxa básica de 9,7%, como poderá competir com o Tesouro, que aceita pagar 18,5%? O mundo do custo de capital no Brasil é cheio de distorções, por dois motivos: a taxa Selic alta demais e a existência de taxas mais baixas para os financiamentos à indústria e à agricultura. Para a agricultura, o Banco do Brasil tem taxas a partir de 8%. A diferença entre esses vários preços do dinheiro para empresários no Brasil quem acaba pagando é o seu, o meu, o nosso dinheiro. Mas mesmo os juros mais baixos são altos para padrões mundiais; por isso os empresários reclamam.

Há uma causa do desastre do terceiro trimestre que tem sido falada por gente do governo e por economistas. Ninguém entendeu o que houve com a agricultura. O professor José Roberto Mendonça de Barros, maior especialista no setor, estranhou a queda de 3,4% que foi muito acima do que todos previram:

— Eu esperava que houvesse queda do PIB agrícola no segundo trimestre, quando o Brasil perdeu 15 milhões de toneladas de grãos, mas houve, então, um aumento de 1,7%, agora houve uma queda forte demais. Nós conseguimos entender os números do PIB agrícola no ano, mas não entendemos o dado trimestral — comentou.

— Quando vai se ver o que houve com o PIB agrícola, ele está concentrado em café, trigo e laranja — ponderou o professor Antonio Barros de Castro, estranhando que essas três culturas tivessem tanto impacto.

Os analistas dos bancos estão mostrando o mesmo espanto com os dados da agricultura. Todo mundo sabe que caiu, mas ninguém entende essa concentração no terceiro trimestre, época de poucas culturas. O IBGE não gosta quando se fala de problemas metodológicos, mas, como não existe termômetro perfeito, é melhor que esse ponto seja mais bem explicado aos especialistas.

Pela ordem, taxa de juros, crise política e problemas metodológicos podem juntos explicar a maior parte da queda do PIB no terceiro trimestre. Os dois primeiros motivos explicam — porém nada justifica — o encolhimento da esperança de um crescimento econômico tão forte quanto no ano passado.

Barros de Castro culpa principalmente os juros e a "visão equivocada dos formuladores de política econômica" e absolve a crise política. Acha que não há relação entre a crise e o fato de o ano estar sendo "decepcionante". Ele afirmou que os empresários continuaram investindo, como mostram dados do BNDES. José Roberto disse que, pelos seus contatos diretos com empresários, entende que eles vão fazendo gatilhos para ampliar a produção num ambiente com juros altos demais e câmbio baixo demais.

— Eles vão ao Finame e compram uma nova máquina, mas adiam a decisão de fazer um investimento realmente grande. Eles exportam porque, pela louca estrutura tributária brasileira, eles usam o crédito fiscal em operações no mercado interno. Além disso, vários produtos brasileiros têm conseguido elevar seus preços em dólar de 10% a 12%. Exportadores também fazem ACC (adiantamento de contrato de câmbio) e ganham na aplicação financeira. Outra forma de se manter no mercado é reduzir o custo da mão-de-obra. Acabo de vir de uma fábrica de calçados no Sul do país onde o empresário, para se manter no mercado externo a um dólar abaixo de R$ 2,30, comprou parte dos adereços na China, girou a mão-de-obra, para pagar salário mais baixo aos novos contratados e, assim, manteve a competitividade — contou José Roberto.

Barros de Castro — que tem defendido a idéia de que a indústria brasileira deu um salto nos últimos anos — acha que aumentar preço em dólar de mercado e não perder cliente mostra que a economia brasileira fez, de fato, um movimento importante de inovação:

— São decisões tomadas há 15 anos cujos resultados aparecem agora, mas a mudança foi feita no tecido microeconômico brasileiro ao longo dos últimos anos.

A crise política não afetou certos indicadores econômicos, como os da área externa, que demonstraram um vigor surpreendente, dando à economia mais músculos para enfrentar qualquer turbulência. O principal fator de melhoria das contas foi a exportação, que produziu em 11 meses um saldo comercial de mais de US$ 40 bilhões, o que é US$ 14 bilhões acima do que o mercado previa em janeiro para o ano inteiro. As exportações se mantêm altas num dólar tão baixo porque as empresas aumentaram a competitividade, investiram em inovação, conquistaram clientes e encontraram formas de contornar os obstáculos da economia brasileira. Mas tudo isso tem um limite. E há sinais de que o limite está chegando.

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