Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 04, 2005

JANIO DE FREITAS A mentira

FSP
Se o próprio presidente da República diz de público, e repete para não haver suposição de mais um lapso, ser um "dado concreto" que "José Dirceu foi cassado antes de terem provado alguma coisa contra ele", está feita à Câmara uma acusação que excede o Congresso e nega o próprio Estado de Direito, a democracia constitucional. E estende a acusação de injustiça a todos os que não se mobilizaram para evitar a cassação.
Mas José Dirceu foi cassado duas vezes. E sua primeira decapitação foi executada, com a mesma quantidade ou ausência de "dado concreto", por Lula mesmo, ao excluí-lo sumariamente de toda participação no governo de que foi o estrategista, tanto para a chegada ao poder como para exercê-lo. "Nunca tive mais poder do que o presidente Lula, tanto é que ele me demitiu", reiterou Dirceu, na entrevista pós-cassação (a primeira confirmação de que não se demitiu, foi demitido, deu-se em interrogatório na Câmara). Para explicar o ato do Lula crítico da cassação, teria bastado o "dado concreto" do "sai daí Dirceu" de Roberto Jefferson?
Como complemento, os aliados de José Dirceu, na política e no jornalismo, oferecem uma explicação principal para a cassação: "Os deputados ouviram a voz das ruas"; os deputados votaram, em sua "maioria, temendo a Lei de Darwin na política: quem não o cassasse poderia ser cassado pelo povo na eleição". Se deputados são "representantes do povo", não fizeram mais do que sua obrigação, caso tenham mesmo seguido a voz pública. E não é verdadeiro que apenas temessem ser cassados em represália das urnas, porque, para evitar vinditas, o voto em processos de cassação não chega ao eleitorado, é secreto. O argumento do voto submisso ao eleitorado adota, portanto, a Lei Pelé na política: o povo é o culpado.
José Dirceu baseou sua defesa na idéia, inverdadeira, de que foi "transformado em chefe do mensalão, em bandido, no maior corrupto do país", como repetiu em seu discurso final. Não há, de fato, "dado concreto" que o envolva em corrupção pessoal. O seu comportamento questionado é o da sua prática política, a partir de uma situação de poder institucional.
Assim como se deu no PT e na campanha presidencial de Lula, José Dirceu foi, por nomeação e incontrastadamente, o coordenador político do governo. Ou seja, delineador, chefe da execução e ele próprio executor maior da ação política do governo. Ação cuja meta principal era arregimentar no Congresso uma base governista eficaz em número e fiel à orientação do Executivo.
É evidente que as ações para isso, fossem por intermédio dos métodos de Delúbio Soares ou da presença diária de José Genoino na Câmara, não poderiam ser de iniciativa isolada desses dois, em seus respectivos setores. As ações de coordenação de política estavam submetidas a uma estratégia, ou não seria coordenação. E a estratégia e sua aplicação estavam, com toda a evidência oficial e pública, entregues ao estrategista do grupo. Delúbio Soares não estava, portanto, endinheirando deputados para se incorporarem ao PT, mas por integrarem ou para virem a integrar a base orientada pela coordenação política do governo. Ou, o que dá no mesmo, pelo coordenador.
A vida e o direito reconhecem que não só os executores diretos e secundários comprometem-se com responsabilidades mas também os seus comandantes militares, diretores empresariais, governantes em relação a seus ministros ou secretários, e incontáveis outras situações. Entre elas, a de ministro-coordenador da ação política.
É verdade que jornais, TV e rádios contribuíram decisivamente para tudo o que acometeu ao governo e ao PT a partir da extravasão torrencial de Roberto Jefferson. Não é difícil estimar a dimensão do efeito mídia. Basta lembrar o que foi notória a aliança da imprensa com Fernando Henrique e seu governo, exposta acima de tudo na contenção de toda a mídia para evitar que chegassem a CPIs, e outros efeitos, os casos que se tornaram escândalos. Vários deles, como Sivam, a interferência gravada de Fernando Henrique na manipulação de privatizações, e vários outros, tinham potencial bastante para levar até ao impeachment. Para qualificar o tratamento dado a José Dirceu, não se precisa mais do que citar o dado a Sérgio Motta e à compra de votos pró-reeleição, provada pelo repórter Fernando Rodrigues.
Há razões para muitas das queixas do governo e do PT. Mas é falsa e, sobretudo, é injuriosa, difamatória e caluniosa a afirmação de que José Dirceu foi cassado sem culpa alguma. É afirmação que não se pode aceitar.

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