Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Editorial de O GLOBO

Poder paralelo

Barbárie, crime hediondo, ato de terrorismo, afronta à sociedade — são muitos e muito indignados os epítetos com que as próprias autoridades classificam a ação dos narcotraficantes em Brás de Pina, que na terça-feira atearam fogo a um ônibus e mataram queimadas cinco pessoas, entre elas uma criança de 1 ano.

Nenhum adjetivo, na realidade, é adequado. A desenvoltura com que os bandidos agem no Rio de Janeiro já produziu uma sucessão interminável de episódios chocantes, mas raras vezes o horror chegou a tal ponto — e ao mesmo tempo demonstrou de maneira tão flagrante como o Estado é ineficiente, inepto e omisso na tarefa que só a ele cabe, de combater a criminalidade.

Por isso mesmo, não há como festejar o assassinato de quatro homens que aparentemente estavam entre os perpetradores da atrocidade. O que a população, que se sente mais indefesa do que nunca, quer e precisa não é que criminosos sejam fuzilados depois de cometer crimes — pela polícia, por facções rivais ou por quem quer que seja — mas que sua ação seja reprimida, que seja possível confiar minimamente na proteção que deveria ser concedida pelo poder público. Esse segundo episódio sangrento, pelo contrário, apenas deixa mais nítido que isso por enquanto é absolutamente impossível.

Agora, como era de se esperar, vêm as promessas: ocupação pela polícia de morros próximos, apuração rigorosa dos crimes, punição severa dos responsáveis e assim por diante. O governo federal corre a oferecer ajuda e o estado e a prefeitura dizem, naturalmente, que todo o possível será feito, sem que no entanto se fale do que é realmente imprescindível — uma política de segurança integrada e cuidadosamente planejada, que envolva os três níveis de administração pública.

Até agora, e mesmo depois dessa ação bárbara, o que se vê, em lugar de articulação, é disputa, reivindicação de verbas. Em suma, jogo de empurra, enquanto a cidade continua à mercê dos marginais e, entre uma e outra bala perdida, na expectativa do próximo episódio de brutalidade. É deprimente que essa visão, que se poderia julgar profundamente pessimista, deva ser classificada de realista.

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