A Pnad e a reeleição
A mais recente edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), que o IBGE realiza todo ano, e o estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre a pobreza no Brasil, com os dados daquele levantamento, referentes a 2004, que comentamos na terça-feira, dão ao presidente Lula uma base objetiva para o seu discurso reeleitoral no próximo ano - se não já. Os números descrevem essencialmente um quadro de diminuição moderada da pobreza e da desigualdade cujo crédito o governo terá o direito de reivindicar - em particular, para a difamada política econômica do ministro Antonio Palocci. O IBGE e a FGV confirmam o que o sistema produtivo e boa parcela da população já haviam percebido por experiência própria ou a olho nu: 2004 foi um grande ano. Não apenas o País cresceu 4,9%, o que já se sabia, mas a retomada representou a criação de 2,7 milhões de postos de trabalho (1,6 milhão deles formais); uma queda de 9% na taxa de desemprego; o mais alto índice de ocupação da população em idade ativa desde 1995 (55%); e o melhor padrão de distribuição de renda desde 1981, com o Índice Gini (em que zero representa a igualdade absoluta e um, o seu oposto) na marca de 0,547. Isso porque a participação dos brasileiros mais pobres na riqueza nacional aumentou 4,1%, enquanto a dos 5% mais ricos caiu 2,2%. Segundo a Pnad, pela primeira vez desde 1996 o rendimento médio do trabalho, já descontada a inflação, parou de baixar, estagnando no nível de 2003, no valor de R$ 733. Para o economista Marcelo Neri, da FGV - que apurou que 2,6 milhões de pessoas atravessaram no ano passado a linha da pobreza (R$ 115) -, mais importante do que a estagnação referida foi o aumento de 3,3% da massa salarial e a redução de 18% do número de domicílios sem renda alguma (efeito do Bolsa-Família). É possível que a Pnad de 2005 não dê ao governo motivo para igual júbilo, sobretudo em razão do desaquecimento da economia neste final de ano - no quarto trimestre, o PIB regrediu 1,2% em comparação com o mesmo período precedente. De todo modo, se o próximo levantamento for divulgado como este, na segunda quinzena de novembro, não chegará a tempo de afetar a sucessão presidencial. De todo modo, a campanha deverá girar em torno dos avanços econômicos (do lado do governo) e da falência ética do PT no poder (do lado da oposição). Além dos números favoráveis, que tocam num nervo sensível para pobres e não-pobres - o perfil socioeconômico deste país que já em 1994 o candidato Fernando Henrique dizia não ser subdesenvolvido, mas injusto -, o Planalto espera que se mantenha o ponto fraco da oposição, admitido tempos atrás pelo senador tucano Tasso Jereissati: a falta de um pacote de atraentes propostas alternativas sobre essas mesmas questões. O desafio do candidato do PSDB será convencer os assalariados de menor renda, os eleitores do Norte e do Nordeste e os milhões de beneficiários diretos do Bolsa-Família de que poderá fazer mais e melhor por eles do que Lula. Pela última pesquisa CNT/Sensus, a aprovação ao presidente chega a 58% entre a população assistida e a dos nordestinos em geral, a 54% dos nortistas e a 53% do contingente que recebe até um salário mínimo. Eles são o que ficou efetivamente do patrimônio eleitoral de um presidente que galgou patamares recordes de popularidade no primeiro ano do mandato e hoje é rejeitado por 47% dos eleitores. Não será surpresa se a campanha de Lula espalhar o rumor terrorista de que se ele for derrotado acabará o Bolsa-Família. Por outro lado, resta saber de que argumentos acessíveis à massa do eleitorado o seu adversário poderá lançar mão para demonstrar que o assistencialismo apenas mascara a virtual inexistência de políticas sociais transformadoras na atual gestão. Defendidas pelos economistas ultraliberais da Escola de Chicago com o mesmo ardor dos petistas - com a diferença de que muitos destes ignoram essa profana afinidade -, as políticas compensatórias ou de renda mínima, por mais que supram as carências imediatas das populações focalizadas, tendem a perpetuar a pobreza e as disparidades sociais quando desacompanhadas de políticas de alcance universal, em caráter prioritário, notadamente no campo da educação. Isso transcende os auspiciosos dados da Pnad.
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