Pelo menos R$ 9 bilhões deixaram de ser investidos na rede de saúde pública pelos municípios, Estados e pela União em 2005, fato que vem se repetindo nos últimos cinco anos como resultado da falta de regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, que vincula os recursos orçamentários a serem aplicados obrigatoriamente na Saúde. Sem a definição precisa do que deve ser incluído entre as ações e serviços públicos de saúde, ministros, governadores e prefeitos usam verbas que deveriam custear a melhoria do atendimento à saúde em obras, programas sociais e até no pagamento de servidores inativos.
Há dias, a Câmara dos Deputados impediu que o governo federal retirasse R$ 1,2 bilhão do Ministério da Saúde para cobrir despesas do programa Fome Zero. No Rio de Janeiro, onde, há meses, hospitais da rede municipal sofreram intervenção federal por causa das precárias condições de atendimento, e várias unidades de saúde paralisaram as atividades em razão das péssimas condições de trabalho, os recursos da Saúde têm servido para manter programas como o Cheque-Cidadão, o Restaurante Popular e o projeto de Despoluição da Guanabara. Conforme a Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa fluminense, só 55% dos recursos previstos para a Saúde em 2005 foram investidos até outubro. E o secretário de Estado da Saúde, Gilson Cantarino, deixou claro que o Rio de Janeiro reproduz o que é feito pela União: "O governo federal tem o Bolsa-Alimentação, no Ministério da Saúde; tem um porcentual de pagamento da dívida externa, no Ministério da Saúde; e tem saneamento, no Ministério da Saúde. A Emenda Constitucional nº 29 não está regulamentada. Nós não estamos desviando para asfalto."
Segundo as autoridades cariocas, a carência alimentar e a contaminação das águas da Guanabara trazem problemas à saúde e, assim, nada mais justo do que oferecer refeições à população carente e levar adiante o projeto de despoluição com as verbas que deveriam financiar a melhoria do atendimento nos hospitais, a aquisição de equipamentos médicos e a contratação de profissionais da Saúde. É indiscutível a influência do saneamento nas condições de saúde da população e, por isso, pode-se admitir a inclusão de certas obras do setor nos gastos com Saúde. Mas que tipo de obras poderão ou não ser financiadas com verbas da Saúde é questão a ser submetida a algum tipo de regulamentação. Se isso não for feito, logo será encontrada boa explicação para vincular a melhoria da Saúde à construção de pontes e viadutos.
Anualmente, os governos são obrigados a enviar ao Ministério da Saúde seus balanços dando conta dos investimentos realizados com as verbas repassadas. Incluem tudo o que consideram gasto com Saúde. A Emenda Constitucional nº 29 estabelece que a União deve destinar ao setor o valor aplicado no ano anterior acrescido da variação nominal do PIB. Os Estados precisam destinar 12% da arrecadação de impostos e os municípios, 15%. Atualmente, apenas 7 Estados e 67% das prefeituras cumprem a regra. Esses números seriam ainda mais restritos, se fossem desconsiderados os investimentos em outras áreas, que mascaram os dados dos balanços.
Em 2005, a União aplicou R$ 3 bilhões de recursos da Saúde em programas dos Ministérios das Cidades e do Desenvolvimento Social. Os Estados fizeram o mesmo e retiraram da rede de saúde outros R$ 4 bilhões. Por sua vez, os municípios usaram R$ 2 bilhões das verbas em projetos de outras áreas.
O presidente da Frente Parlamentar da Saúde, da Câmara dos Deputados, Rafael Guerra, afirma que o Ministério da Saúde está empenhado na regulamentação da emenda constitucional, mas a área econômica do governo não. O projeto de lei complementar já foi aprovado nas comissões da Câmara e está pronto para votação no plenário. Acabar com as distorções, definindo claramente o que são ações efetivas de saúde, é fundamental para o financiamento do SUS e a melhoria do serviço prestado à população.