Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 02, 2005

DORA KRAMER Amargo regresso

OESP


dkramer@estadao.com.br


José Dirceu volta à planície alimentando o mito que criou no Planalto A Câmara dos Deputados cassou o mandato de José Dirceu baseada nas evidências, compartilhadas pelo colegiado durante longo período, de que a base parlamentar de apoio do governo foi montada a partir de forte influência do Executivo a poder de instrumentos disponíveis apenas a quem está no comando da máquina do Estado.

Objetivamente foi isso, embora seja muito mais nobre disseminar a versão da perseguição ideológica ao grande líder político da geração que liderou o combate à ditadura, a luta pela redemocratização, a construção do PT e a trajetória do líder operário do sindicato à Presidência da República.

Muitos, inclusive no PT, tiveram papel tão ou mais importante na política nacional, professam teses contrárias às forças civis que há décadas se alternam no poder, vários deles ainda estão na ativa partidária e, nem por isso, são alvos da conspiração alegada por José Dirceu.

Fato é que o deputado cassado no início da madrugada de ontem não teve, na história do País, a significância que atribui a si - seu relativo destaque na cena anteriormente à eleição do PT, diz sobre isso - nem deu ao presidente Luiz Inácio da Silva a contribuição de grande articulador político e gerente administrativo que rezou a lenda de eminência parda indispensável à sobrevivência do governo.

Contribuiu fortemente, isto sim, para aquilo que acabou produzindo seu infortúnio: a montagem de uma base de apoio artificialmente ampla e sólida no Congresso, sob a égide da inflação de uns e deflação de outros partidos.

Antes de voltar ontem à planície, José Dirceu viveu no planalto basicamente da mitologia.

As vitórias iniciais no Parlamento não podem ser atribuídas à sua habilidade política. Foram fruto, de um lado, da cooptação fisiológica e, de outro, da força eleitoral de Lula.

Junte-se a isso a adoção de reformas e políticas propostas pelo governo anterior, tivemos uma oposição inicialmente dócil e colaboracionista.

Dirceu, ao contrário de organizar a área política, teve isto sim participação fundamental em sua desorganização, seja por atritos internos na base (recordemo-nos das motivações de Roberto Jefferson para explodir pontes e navios), seja por preferir relacionar-se com a oposição em bases provocativas.

O PSDB, por exemplo, era majoritariamente parcimonioso nas críticas até José Dirceu partir para o ataque frontal assim que sentiu o arrefecimento político dos efeitos do escândalo Waldomiro Diniz.

Quando saiu da coordenação política, assumiu a liderança da área administrativa com todas as honras de gerente tocador de projetos. Não produziu mais que discursos autolaudatórios, como a afirmação de ontem de que, se estivesse ele no comando, a crise política teria tido outro rumo.

Morto politicamente ainda não se pode dizer que José Dirceu esteja. Ao longo do processo que culminou na cassação, vestiu o figurino do guerreiro empedernido de modo a possibilitar avaliações grandiloqüentes sobre sua capacidade de resistir às intempéries e, no desfecho, apresentou-se como candidato ao papel de referência nacional, dando lições de democracia e propondo-se a "repensar o Brasil".

José Dirceu impressiona, de fato. Principalmente a quem se deixa impressionar.

Conviria, porém, antes de chegar a conclusões definitivas sobre o futuro, lembrar que saiu da Casa Civil igualmente rodeado de homenagens e avaliações (induzidas) segundo as quais seria um pólo de poder político dentro da Câmara para reestabilizar o PT e "ajudar o presidente Lula a governar".

Na volta, sequer conseguiu concluir o discurso de reestréia. Foi contestado, em seguida repudiado, mais adiante acusado e, por fim, expelido do convívio daqueles a quem tinha tratado como mercadoria de segunda em sua presunção do que seria o exercício do poder.

Estava equivocado quanto à percepção sobre sua importância na ordem das coisas. Como agora também talvez não esteja de posse da melhor avaliação do quadro quando anuncia recolhimento temporário em lugar secreto para "poder ter sossego e trabalhar" longe do assédio que, imagina, continuará sendo intenso e duradouro.

Segue o baile

A cassação de José Dirceu não serve de lenitivo à crise, embora com ela se permita que as coisas sigam seu curso natural em terreno menos acidentado.

Na avaliação de governistas e oposicionistas, um eventual resultado de absolvição seria politicamente muito mais negativo para o presidente Lula - "terá dois problemas no colo, o PIB e Dirceu", dizia um ex-ministro - e para o processo de apurações e investigações iniciado em maio.

Despacho

Discretamente, o vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô, arquivou terça-feira pedido de impeachment apresentado por um cidadão comum sob a alegação de que o presidente da República teria cometido abuso do poder econômico ao pôr o governo a serviço da eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara.

Aldo pediu a Nonô que decidisse o que fazer. Nonô engavetou e mandará, segunda-feira próxima, o ato ao presidente Lula, acompanhado de uma carta pessoal, cujos termos ainda não estavam definidos até ontem.


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