Em artigo anterior (A classe política, 19/11) mostrei os motivos pelos quais devemos dar mais atenção ao conceito de política. Em geral, esse termo é empregado para o servidor público que presta serviço estatal em razão de normas constitucionais, ou de ordem administrativa.
Mas, além dos que praticam atos políticos em virtude de regras constitucionais e administrativas, federais, estaduais e municipais, há outras atividades no campo das relações públicas que correspondem a funções públicas complementares, o que nem sempre se tem observado.
Se se tratar de serviços ou funções públicas complementares, fazendo-lhes corresponder determinado emprego público, teríamos de fazê-lo mediante lei federal, uma vez que, nos termos do artigo 22, inciso XVI, da Constituição federal, cabe à União legislar sobre a "organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões". Embora não objeto até agora de regulamentação explícita, tem havido as mais diversas formas implícitas.
Se nos fosse possível legislar sobre o assunto, haveria grande vantagem no conceito tão depreciado de "política", bem como a criação de um curso político de segundo grau, universitário de preferência, de curta duração.
Nas universidades seria bem útil a existência da carreira complementar de "ciência política", de três anos no máximo, abrangendo noções fundamentais de Direito, Sociologia Política, Direito Constitucional e Administrativo, focalizando os problemas da organização e o funcionamento da pessoa jurídica da União, dos Estados federados e dos municípios.
Quem tivesse conseguido diploma de "ciência política" teria título preferencial para o cargo de servidor das mencionadas entidades, o que já nos faz supor aperfeiçoamento em sua função em todo o País.
Quando falo em curso de ciência política, não penso em ensino abstrato e profundo de Teoria do Estado, mas antes de ensino de caráter pragmático, exatamente por ser seu fim básico prestar os serviços públicos das esferas administrativas da Nação em geral.
Hoje em dia, a ocupação de cargo público depende, a bem ver, de contrato de títulos e provas, mas, com a existência de curso especial de ciência política, aumentarão o número e a seleção dos candidatos dos cargos disponíveis.
Quanto ao currículo dos mencionados cursos, insisto na necessidade de ministração de ensino, por assim dizer, de matéria prática, com redução na prevista para os cursos de ciência jurídica, com bem mais amplo espectro e finalidade.
Estou convencido de que, criado o curso de ciência política, diminuiria o número absurdo de Faculdades de Direito, abrindo-se campo novo e muito útil para a formação universitária. Outra vantagem que teremos com a iniciativa aqui proposta é de grande relevância, porquanto os alunos que optarem pelo curso de ciência política serão naturalmente levados a pleitear as funções de vereador, deputado e senador, elevando-se, desse modo, a qualidade de nossa representação parlamentar.
Não é de somenos outra vantagem, a representada pela obtenção de cargo público, atualmente deixada, em geral, à indicação de ordem pessoal, observando os atos de "mandomia" que têm desabonado a nossa representação política. Se houver indicação de pessoa diplomada, pelo menos o candidato terá preparo adequado.
Por outro lado, haverá uma seleção nas Faculdades de Direito, nas quais se inscrevem jovens sem real vocação para a jurisprudência, visando antes a profissão de juiz, membro do Ministério Público e da Polícia Civil.
Se o novo curso de ciência política aumentar a preferência de estudantes optando por ele, só temos a ganhar, com o melhoramento cultural de nossa carreira política.
O voto que faço é no sentido de o curso de ciência política ser ministrado por professores dotados do devido preparo, sem se repetir a triste experiência que tivemos na esfera jurisprudencial, o que explica as lamentáveis reprovações em concursos para a Magistratura, o Ministério Público e a Delegacia Civil.
Dir-se-á que com esta sugestão, que faço com a maior cautela, estou aumentando nossa já forte vocação de preferência pelo emprego público, mas é sempre melhor estabelecer aquela visão como condição de aperfeiçoamento da cultura nacional.
Além do mais, embora não seja essa uma finalidade primordial, dado o caráter pragmático que pretendo seja dado ao curso de ciência política, este terá a conseqüência de suscitar muito interesse pela Teoria do Estado, levando a renovar-lhe os estudos, superando-se a visão unilateral do normativismo puro de Hans Kelsen, que tem prevalecido no Brasil como forma mais avançada do positivismo jurídico.
Miguel Reale, jurista, filósofo, membro da Academia Brasileira de Letras, foi reitor da USP. E-mail: reale@miguelreale.com.br. Home pages: www.miguelreale.com.br e www.realeadvogados.com.br