O Globo - 15/06/2011
Os Estados Unidos e a China vivem assim: unidos, mutuamente dependentes, mas sempre desconfiados do que está acontecendo na economia do outro. Ontem saíram dados chineses mostrando que o país pode ter uma desaceleração suave e a bolsa americana subiu depois de vários dias de queda. A China disse que os EUA estão brincando com fogo pela forma como lidam com a própria dívida.
Os EUA vivem a estranha situação de ser a dívida na qual mais se confia e ao mesmo tempo estar falando em "default temporário" ou "breve default". É que o limite máximo de endividamento do governo está para ser atingido, e os republicanos, já nos debates da escolha de candidatos para a disputa eleitoral, não querem aprovar o pedido de elevação desse limite. Se não conseguirem autorização de emissão até dois de agosto, pode acontecer o impensável: os EUA não conseguirem rolar a dívida.
Um dos maiores compradores de títulos americanos é o banco central da China. Por isso é que um consultor do banco, Li Daokui, disse que os EUA brincam com fogo quando admitem essa possibilidade. Ontem, o presidente Barack Obama fez mais um apelo para que o Congresso aprove a ampliação do endividamento. Disse que vai trabalhar duro para superar o impasse: "Minha expectativa é que vamos fazer isso de forma sensata. Isso é o que o povo americano espera."
O economista americano Albert Fishlow, a quem perguntei se achava possível um default, disse que realmente parece improvável, mas tudo na política dos EUA está indo na direção do confronto:
- Espero que depois de 200 anos de democracia a gente saiba como agir.
Há de fato necessidade de aperto fiscal mais forte na economia americana, ou pelo menos de um horizonte de queda do endividamento e do déficit, como na maioria dos países ricos. Mas foram os próprios republicanos que deixaram o rombo e o desequilíbrio nas contas do governo; agora, posam de austeros.
Os EUA estão com dívida líquida de cerca 64% do PIB. Ela parece pequena perto da dívida do Japão, que está em torno de 135% e vai continuar crescendo para 163% até 2016, conta Fishlow. A China tem dívida de apenas 17%, mas o economista sugere que não se confie neste número.
- Eles não incluem aí as dívidas dos estados - disse. Para Fishlow, atrás de números brilhantes, a China continua sendo um país em desequilíbrio:
- A poupança é muito alta, consumo limitado, e todos raciocinam em relação à China fazendo uma simples extrapolação da taxa de crescimento como se fosse durar para sempre. E não vai. O futuro do país pode sim ser positivo, mas a política vai se tornar cada dia mais importante; não vai ser fácil.
Outros analistas são muito mais otimistas em relação à China, país que tem superado as expectativas positivas em termos de crescimento e compreensão das mudanças. O economista Antônio Barros de Castro, por exemplo, acha que aquele velho ditado que era usado para explicar a China - não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato - não é mais verdade:
- Hoje as autoridades chinesas estão querendo que o gato seja mais verde.
De fato, há fortes empreendimentos chineses em energia de baixo carbono, até porque o estoque de sua matriz é fortemente concentrado em fontes de alto carbono, como o carvão.
O embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, que representou o Brasil na China de 2004 a 2008, acha que ninguém como os chineses entenderam mais rapidamente a globalização, para tirar proveito dela.
A China se globalizou e o mundo ficou dependente da China. Ontem, todos estavam de olho nos indicadores que sairiam sobre o país. Eles mostraram pequena desaceleração do varejo, de 17% para 16%, o que elevou as bolsas porque o dado estaria confirmando que o país poderá fazer a transição para um nível mais sustentável de crescimento. A inflação subiu de 5,3% para 5,5% na taxa em 12 meses, o que é a maior alta em três anos, mas a aposta passou a ser que a China vai controlar a inflação reduzindo apenas ligeiramente o crescimento. Outros dados de produção industrial e de vendas de varejo, combinados com a decisão do Banco do Povo de dar mais um pequeno aperto monetário, convenceram analistas de que é possível uma redução gradual do crescimento, mas mantendo a taxa ainda "robusta", como disse o "Financial Times". Ainda bem, dizem analistas, porque da Europa, EUA e Japão não há como esperar que puxem o mundo. O motor que mantém o PIB mundial continua sendo a China. Isso é que faz cada dado chinês ser esperado com ansiedade.
Na Europa, a Grécia teve a classificação de risco rebaixada ao menor nível possível, e isso quer dizer que ninguém acredita mais no país. A diminuta economia grega não é relevante o suficiente para preocupar o mundo; exceto pelo fato de que bancos de outros países e o BCE compraram seus papéis, e quanto mais o país se afunda mais fica claro que a unidade monetária europeia tem dificuldades de se manter.
Com a Europa assim e o Japão tentando se levantar do tsunami-desastre nuclear, restam Estados Unidos e China. Mas como os EUA enfrentam até o inesperado risco de um "breve default", tanto a economia americana quanto a do resto do mundo continuam de olhos bem abertos para o desempenho chinês.
Entrevista:O Estado inteligente
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