FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11
De governos ocidentais a universidades britânicas. De bancos suíços a empreiteiras brasileiras, todo mundo tirou proveito do dinheiro do ditador Gaddafi enquanto pôde.
Ninguém nunca quis perguntar quão limpo era esse dinheiro ou se preocupou com quantas vozes eram caladas no país para que os dinares continuassem a fluir.
Eram negócios, e nos negócios há sempre uma margem de amoralidade, dirão alguns.
Outros argumentarão que é uma política de "don't ask, don't tell" corporativo: eu não pergunto, e você não me diz que o dinheiro é sangrento.
Continuamos assim sem peso na consciência.
Os mais acanhados poderão falar como o diretor da LSE (London School of Economics), que diz que aceitou dinheiro dos Gaddafi e fez convênios para treinar suas elites porque achava que poderia ajudar o país a se aproximar dos valores ocidentais.
O caso da LSE virou um escândalo porque políticos, bancos suíços e empreiteiras já não gozam muito de credibilidade e ninguém se surpreende quando os vê envolvidos com ditadores e afins.
Mas esta universidade não. É uma instituição liberal que tem George Bernard Shaw entre um de seus fundadores, uma coleção de prêmios Nobel e se vangloria de formar líderes mundiais.
Como disse um editorial do jornal "The Times", as atrocidades de Muammar Gaddafi deveriam aparecer na primeira semana das aulas de política internacional da LSE.
Não parece ter sido o caso, e a universidade aceitou 1,5 milhão de libras (R$ 4 milhões) de doação da família Gaddafi após agraciar o filho do ditador com um título de doutor.
Ironicamente, a tese de Saif al-Islam tinha o seguinte título: "O Papel da Sociedade Civil na Democratização das Instituições de Governança Global: Do "Soft Power" ao Processo de Decisão Coletiva".
Nela, o filho predileto de Gaddafi -o mesmo que agora dá entrevista e fala em banho de sangue para manter o poder-, discorria sobre a necessidade de mais democracia e transparência no mundo.
Isso não bastaria para suspeição? Um Gaddafi pró transparência e democracia?
Mas à época da dissertação, a universidade disse que não havia elementos para conduzir uma investigação para apurar acusações de plágio.
Os dias de Gaddafi na Líbia parecem contados. Será mais uma vítima nessa temporada de caça aos ditadores que já derrubou Mubarak no Egito e Ben Ali na Tunísia.
Mas não será o fim dos governos autocráticos pelo mundo. Nem de negócios e tapinhas nas costas de ditadores.
Basta ver o que o mundo faz com a China, país que cotidianamente desrespeita os direitos humanos. Enquanto o povo de lá não se levanta, o resto do planeta corre atrás de alguns yuans.
Entrevista:O Estado inteligente
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