Aumentou muito o risco econômico nas últimas semanas. A eclosão dos conflitos nos países do Norte da África e do Golfo elevaram o preço do petróleo e o risco do imprevisto. Na Europa, há o perigo de que comece uma onda de reestruturação das dívidas dos governos. No Brasil, os analistas estão revendo para baixo a previsão de crescimento e para cima, a de inflação.
Sei que isso não é lá notícia para se dar numa quarta-feira de cinzas, quando os foliões começam a guardar as fantasias, e os que escolheram descansar no carnaval têm que fazer um certo esforço para voltar ao cotidiano de trabalho, mas o fato é este. Tudo ficou um pouco pior nas últimas semanas.
No Brasil, o cenário econômico continua sendo bom, mas não tão bom quanto parecia ser, quando se dizia que a queda da taxa de crescimento era apenas um efeito estatístico de base de comparação. Os dados são contraditórios, como se viu na semana passada, com a forte venda de carros de fevereiro, ao mesmo tempo em que outros setores da indústria já sentem a desaceleração.
A encrenca está de novo nos países produtores de petróleo. A situação piorou tanto com os eventos na Líbia, pela reação ensandecida de Muamar Kadafi, que, visto de hoje, Hosni Mubarak parece um estadista. A teimosia do ex-governante egípcio e até a sua insensata reação de mandar camelos e cavalos para a Praça Tahrir parecem suaves perto da decisão de Kadafi de precipitar a guerra civil e mandar bombardear a própria população.
Os movimentos de revolta se espalham por vários países produtores de petróleo e, se isso estimula a se sonhar com mais liberdade na África, mundo árabe e Irã, por outro lado, o fato imediato é que aumentou o risco da falta de suprimento e de alta dos combustíveis. Como se vê nos EUA, mesmo não sendo importante comprador de petróleo líbio, e mesmo a Líbia não sendo um importante produtor mundial, a gasolina já está subindo na bomba.
Aqui, o preço fica estável qualquer que seja a cotação internacional porque há uma empresa só fornecedora, produtora, importadora. A Petrobras não tem a menor transparência sobre seu sistema de formação de preços. Nos últimos anos, tem seguido orientações políticas de não mexer nos preços quando o petróleo cai no mercado internacional, e assim formar um colchão amortecedor para não subir quando a cotação sobe lá fora. Isso traz a vantagem extra para ela de eternizar a atual situação de monopólio, porque ninguém quer produzir ou importar petróleo em país dominado por grupo tão forte. No máximo, as empresas aceitam se associar à Petrobras.
Mas no longo prazo esse sistema é insustentável. As previsões feitas numa reunião de presidentes de grandes empresas da área do petróleo na semana passada em Houston, no Texas, são de que a demanda vai crescer mais de um milhão de barris/dia, por causa do crescimento dos países em desenvolvimento. Outro fato de aumento da demanda é o transporte. O mundo vai dobrar o número de carros de um bilhão para dois bilhões em 2050. A longo prazo, o aviso é para reduzir a dependência do petróleo; a curto prazo, o alerta é para o risco das consequências da desestabilização geopolítica em países produtores.
De imediato, o que se tem no painel é que a incerteza no mundo dos produtores de petróleo leve de volta à recessão as economias da Europa e dos EUA. O canal direto de contaminação é o aumento do preço dos combustíveis.
Na política, o risco é de que a primavera do Norte da África e do Golfo se perca pela violência dos governantes e ambiguidades dos países mais importantes do Ocidente. O Egito foi esquecido porque todos os olhos foram para a Líbia e porque se considerou que uma vez sem Mubarak o problema estava resolvido. O país ainda vive forte crise econômica, agravada pela paralisia durante o mês do protesto e as manifestações continuam pedindo mais e mais mudanças. Permanecem os protestos na Tunísia, Irã, Iêmen, Omã, Bahrein, Kuwait, Iraque. Por mais sólida que pareça a monarquia ditatorial da Arábia Saudita, até lá há protestos. Não são todos eventos políticos da mesma natureza, alguns movimentos são de extraordinária complexidade.
Não há saída boa para a Líbia. Uma intervenção internacional só acirrará ainda mais a divisão interna. O risco é de provocar uma onda nacionalista que se voltará contra os insurgentes, que seriam acusados de terem chamado intervenção estrangeira. A única esperança é a renúncia de Kadafi para começar a reconciliação do país. É torcer.
É neste mundo de riscos, mudança geopolítica, conflitos que o Brasil terá que reduzir o ritmo de crescimento, elevar os juros, conter gastos públicos e tomar medidas de prudência para conter a euforia de consumo que se formou no ano passado pelos excessos de gastos e a expansão descontrolada do crédito. Mas baixar a bola é o melhor a fazer agora até que se entenda melhor a evolução de todos esses acontecimentos que juntos tornaram o ano de 2011 mais complexo do que parecia à primeira vista.
O carnaval acabou. Nos últimos tempos o Brasil viu a folia extrapolar: ela começa bem antes do sábado e vai até bem depois da quarta-feira de cinzas. Na economia, não se pode ampliar o calendário da folia. Mesmo vivendo bom momento, e com um crescimento voltado para o mercado interno, a instabilidade internacional afeta o Brasil.
FONTE: O GLOBO
Entrevista:O Estado inteligente
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