FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11
A humanidade é dividida em duas turmas: a que não perde o desfile e a que diz não querer ouvir falar
O CARNAVAL NO RIO já começou há semanas (em Salvador, há meses), mas hoje é o dia da decisão: se tranca em casa vendo um filme, com o ar-refrigerado ligado, ou cai no samba? Ou, pelo menos, vai ver os outros sambar? Difícil, a escolha.
Até agora deu para ficar longe dos blocos, e só tomar conhecimento da existência de gente tão animada, pelos jornais e TVs. Mas a coisa agora é séria: hoje e amanhã vão desfilar as grandes escolas.
A humanidade é dividida em duas turmas: a que não perde o desfile por nada desse mundo e os que dizem "não quero nem ouvir falar".
Mas há uma terceira via, a dos que não querem nem ouvir falar, mas que quando veem uma chamada na TV mostrando cenas de Carnavais passados, sentem um arrepio e pensam que dariam tudo para estar na avenida. Mesmo quem já assistiu a 20, 30 desfiles, mesmo quem já saiu de lá dizendo "é sempre tudo igual, nunca mais", sente o apelo, que é forte, e no ano seguinte o coração balança. E aí, já resolveu se vai ou não vai?
O Rio está vivendo um momento de grande animação. Blocos -legalizados- são mais de 70, e para sair atrás de um não precisa de camiseta nem abadá, só de alegria, e é tudo de graça. A cidade fica uma bagunça, o trânsito vira um caos, e solução para isso é difícil. Como impedir que os blocos saiam perturbando a vida dos moradores?
Uma tarefa complicada, e tem mais: em 2012 vai ser ainda pior -ou melhor, depende de que lado você está. Pode parecer que não tem nada a ver, mas a chegada de Ronaldinho Gaúcho ao Flamengo acrescentou ainda mais alegria à cidade; ele é a cara do Rio.
Nos salões de beleza, mais do que em outros anos, as manicures só falam em que escola vão sair, que o incêndio não vai atrapalhar em nada a Grande Rio, que o ensaio estava "tudo". Ouvir a programação dessas apaixonadas por Carnaval tira o fôlego: elas começam com uma feijoada no sábado, emendam à noite com o desfile do Grupo de Acesso e continuam domingo e segunda com o Especial, sendo que algumas desfilam em duas ou três escolas. Perguntei a uma dessas heroínas a que horas a sua ia entrar, e ela respondeu, como se fosse a coisa mais normal do mundo: "tenho que sair de casa à 1h da manhã, pois a escola sai às 3h".
E esse ano ainda tem Roberto Carlos na Beija-Flor, haja coração.
Não, não dá para não ir. Quem ficar em casa vai se sentir na mais profunda solidão até a segunda-feira depois do Carnaval, sem ter com quem falar, pois o assunto será um só: o desfile da avenida.
E se você ainda tiver alguma dúvida sobre se vai ou não, ligue a televisão e torça para ver o mais lindo comercial da TV dos últimos tempos (da Nestlé), que começa com alguém cantando "Emoções" do jeito que conhecemos e se transforma num samba rasgado, com bateria de escola de samba e tudo.
Ah, mas você não combinou com ninguém, não comprou a entrada, não sabe como vai ver o desfile? Pois fique sabendo: nunca houve ninguém, mas ninguém mesmo, que, chegando à avenida depois da 1h da manhã, não tenha conseguido entrar (e quem tiver muita sorte pode até terminar desfilando).
Como? Ninguém sabe, ninguém viu; é apenas mais um daqueles maravilhosos mistérios do Rio.
Entrevista:O Estado inteligente
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