O Estado de S. Paulo - 01/02/2011
A presidente Dilma Rousseff cumpriu ontem sua primeira visita de chefe de Estado ao exterior. Na Argentina, encontrou-se com a presidente Cristina Kirchner, assinou contratos e recebeu as mães da Plaza de Mayo.
O Itamaraty bem que se esforça para passar a impressão de que, na condição de pueblos hermanos e tal, as relações Brasil-Argentina são também inabaláveis e tal. Mas as relações comerciais continuam tensas, eivadas de provocações, quebras de acordos e muitas tentativas, por parte dos argentinos, de testar até onde vai a tolerância do Brasil.
A todo momento, seu governo sapeca restrições às exportações brasileiras. Os argentinos amontoam um punhado de lamúrias. Queixam-se de que a balança comercial entre os dois países é amplamente favorável ao Brasil, o que é verdade (veja gráfico). Na falta do que dizer, alegam que as condições entre os dois países são assimétricas, sempre desfavoráveis a eles e que precisam de compensações de maneira a evitar a asfixia do empresário argentino.
Houve um tempo, ao final da década de 90, em que argumentavam que o Brasil mantinha excessivamente desvalorizado o real, o que tornava a competição comercial tremendamente desleal. Durante o governo Carlos Menem, o ministro da Economia Domingo Cavallo chegou a dizer que o Brasil manipulava o câmbio para reduzir o vizinho à mendicância. Mas, hoje, nem essa milonga podem evocar, porque o real está fortemente valorizado não só em relação ao peso argentino, mas também a todas as moedas fortes.
Os industriais argentinos listam outras reclamações. Que o mercado brasileiro é muito maior, o que não é verdade, porque Argentina e Brasil fazem parte da mesma área de livre comércio e a soma dos dois mercados está disponível para os sócios do Mercosul em igualdade de condições.
Chegaram mesmo a afirmar que o BNDES é um fator de assimetria porque concede financiamentos a empresas brasileiras a que as empresas argentinas não têm acesso.
Afirmam também que, ao contrário do que acontece com o empresário brasileiro, não contam com financiamentos externos. E nesse ponto têm razão porque, depois do megacalote da dívida externa argentina, credor nenhum tem boa vontade com eles.
O problema é que os argentinos têm lá seus enroscos em matéria de competitividade, que começam pela própria política econômica do governo. O tabelamento de preços e salários mais o confisco das exportações (retenciones) inibem os investimentos, especialmente em infraestrutura e energia. Esse fato, por sua vez, se soma à manipulação das estatísticas de inflação, que deforma tudo e cria outras inseguranças para quem produz.
Durante seus oito anos de mandato, o presidente Lula foi leniente com a falta de disposição dos argentinos de cumprir contratos. Aguentou pachorrentamente as provocações. Mas Dilma parece ter saído de Brasília em direção a Buenos Aires com outra atitude.
Avisou que, malgrado todas as diferenças, trato é trato e que precisa ser cumprido. Foi um jeito de matar logo no ovo a disposição portenha de seguir aprontando e depois compor longas milongas com a certeza de que serão sempre atendidos.
CONFIRA
Dívida Líquida do setor público
Aí está a evolução da dívida pública líquida, descontados os créditos. E entre os mais importantes créditos estão os títulos de outros países, especialmente os dos Estados Unidos, em que as reservas externas, perto de US$ 300 bilhões, estão aplicadas.
"Sem atipicidades"
Até o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, passou o recibo de que o governo fez coisas esquisitas na administração das contas públicas. Ele usou um eufemismo. Disse esperar que, em 2011, o governo cumpra a meta cheia "sem tanta atipicidade".
Entrevista:O Estado inteligente
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