Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 09, 2010

RUBENS BARBOSA Falta vontade


O GLOBO - 09/02/10


Nunca houve na história deste país um momento em que a politização das decisões nas negociações comerciais externas tenha sido tão intensa, influenciada pelo Itamaraty e a reboque da política externa brasileira.

A politização das decisões nas negociações comerciais, contudo, não é uma excentricidade brasileira.

Até o começo dos anos 60, por mais de uma década, o Departamento de Estado, o equivalente do Itamaraty nos EUA, era responsável pela condução das negociações relacionadas com comércio exterior e investimentos, e pelo acompanhamento dos acordos comerciais.

Em 1962, por razões de política externa, o presidente Kennedy pediu ao Congresso a redução das barreiras tarifárias no comércio com a Europa, em rápido processo de integração econômica.

Como era de esperar, houve forte reação não só do setor produtivo e exportador, como também do Congresso, em vista da prevalência de considerações de natureza de política e não do estrito interesse comercial.

Nos EUA, ao contrário de outros países, inclusive o Brasil, a competência para legislar sobre comércio exterior é do Congresso, e não do Executivo.

Dessa forma, contra a vontade do Executivo, na época, presidido por John Kennedy, o Congresso aprovou o "Trade Expansion Act", de 1962, que determinava que o presidente nomeasse um representante especial que conduzisse as negociações comerciais, de modo não politizado e sem a influência do Departamento de Estado.

Em 1963, esse representante comercial ganhou mais peso e acabou vinculado à presidência da república, com status ministerial, com a criação do USTR. Sucessivas modificações, ao longo dos últimos 40 anos, definiram a competência do órgão, que conta hoje com cerca de 200 funcionários e coordena 17 Ministérios e agências governamentais.

Legislação mais recente, de 1984, atribuiu ao USTR responsabilidades adicionais para formular e coordenar a execução de políticas relacionadas com o comércio de serviços, a coordenação de políticas comerciais com outros ministérios e para atuar como o principal porta-voz para a política de comércio internacional. É ainda o principal assessor do presidente para a coordenação dos interesses de outras áreas do governo nas negociações internacionais de comércio e de investimentos.

O exemplo dos EUA é relevante quando se examina essa questão no Brasil.

A queda de mais de 20% no comércio exterior brasileiro em 2009 não pode ser atribuída apenas à recessão internacional e à desaceleração do consumo de produtos brasileiros nos mercados. A falta de uma política voltada para o comércio exterior talvez seja a causa principal.

Ao contrário de muitos países, no Brasil, não há um ponto focal para a defesa dos interesses do setor exportador, que se ressente da falta de um comando unificado e de um processo de coordenação mais efetivo entre os diferentes ministérios.

A Camex, que seria o órgão competente para discutir e aprovar recomendação ao presidente para uma política que envolva todo o governo e seja executada de forma coordenada, não tem força política para propor, muito me nos para administrar ações concretas de apoio ao setor. Não se trata de falta de competência ou de capacitação do órgão para a tarefa, mas sim de inexistência de vontade política do Executivo para reformar o processo decisório, como foi feito nos EUA.

Será importante que o setor de comércio exterior se manifeste publicamente a favor de mudanças profundas no processo decisório, para fortalecer a Camex. A existência de um comando unificado com efetivo poder de coordenação pela criação da presidência da Camex, em nível ministerial, separada do MIDC e subordinada diretamente ao presidente da república, poderia ser uma alternativa.

A campanha presidencial oferece uma ampla possibilidade para o engajamento direto dos candidatos em relação a essa questão. Tendo em vista os interesses burocráticos envolvidos, somente a participação direta e a vontade política do presidente eleito poderão, em inicio de mandato, ter a força e a liderança necessárias para uma reforma dessa natureza.

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