Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

ALBERTO TAMER OMC, em risco, admite: Doha acabou

ALBERTO TAMER
OMC, em risco, admite: Doha acabou

O Estado de S. Paulo - 25/02/2010

A Organização Mundial do Comércio (OMC) admitiu pela primeira vez. Não há como continuar as negociações da Rodada Doha, que se arrastam há nove anos sem resultado. Por isso, a OMC, cancelou a reunião ministerial marcada para março.

A existência da OMC como órgão regulador do comércio internacional está em jogo. Pode limitar-se a resolver disputas. A organização está sem credibilidade e vários países importantes já partiram para acordos bilaterais. Só o Brasil, não. O nosso chanceler, Celso Amorim, fã incondicional de Doha, continua dizendo que um acordo multilateral ainda é possível. Agora, para 2011. Ninguém acredita, apenas ele. Até o presidente já deixou de lado essa história para evitar mais desgastes.

É A RETIRADA

A Austrália ontem anunciou que estava retomando a negociação para um acordo com a China, parado há 14 meses. O Mercosul também promete voltar a negociar com a União Europeia em maio, uma história-lenda que Brasília insiste em alimentar.

OBAMA SAIU DESSA

O presidente Barack Obama que praticamente abandonou Doha quando assumiu há um ano, prometendo dobrar exportações, mas por meio de acordos bilaterais.

Para se ter uma ideia do abandono em Genebra, o governo dos Estados Unidos nem tem embaixador para a OMC. Há um ano, Obama tenta convencer o Congresso a aprovar seu novo representante, mas se não der não faz mal. Não é assunto prioritário. Se a Casa Branca não consegue nem enviar embaixador, a perspectiva de negociar internamente uma liberalização fica ainda mais distante.

O fim de Doha e o da OMC, como órgão regulador do comércio multilateral, pode ser um atraso, mas é a realidade que os EUA e a Europa, com muitos acordos já fechados. Obama quer uma "diplomacia de resultados". Igualzinha à nossa, que só trouxe fracasso. Se ganhamos importância no cenário internacional foi por causa do grande êxito da política econômica. O Itamaraty não ajudou em nada. Só atrapalhou.

Os sinais de retirada ganham força a cada dia. A tendência está deixando as autoridades na OMC preocupadas. Seu diretor-geral, Pascal Lamy, teme que a crise gere uma proliferação de acordos bilaterais discriminatórios. O sistema multilateral caminha para ser substituído por uma teia de acordos.

Alguns países, como China e África do Sul, querem que se fatie Doha, aprovando os assuntos mais fáceis agora e deixando o resto para o Deus dará. No congelador.

OS POBRES QUEREM

Para os países mais pobres, a OMC deveria tentar abrir alguns mercados nos países ricos, mudando o formato de Doha, sem esperar pelas delicadas negociações entre China, Brasil, Estados Unidos, Índia e Europa. Nem isso dá. A ideia morreu no nascedouro, mesmo que ainda falem dela.

Legalmente, a Rodada Doha estipula que um acordo apenas poderia ser concluído se todos os aspectos das negociações fossem alvo de um consenso. Consenso que não existiu desde o início. Politicamente, ninguém poderia matar o projeto da rodada, já que significaria um alto custo diplomático. Mas, ao mesmo tempo, a manutenção de uma negociação por quase dez anos sem resultados está minando a credibilidade do sistema multilateral.

TUDO ÀS MOSCAS EM GENEBRA

A falta de representação da maior economia mundial é sintoma da crise de credibilidade e relevância que vive a entidade. Nesta semana, a OMC cancelou sua reunião ministerial marcada para março e governos já admitem que a conclusão da Rodada Doha ficaria para, na melhor das hipóteses, 2011. Depois de nove anos de negociações e centenas de reuniões, governos não sabem o que fazer com o processo que prometida gerar bilhões de dólares em abertura de mercados e redução da pobreza. Ainda no auge da crise econômica, o G-20 decidiu colocar Doha como um dos pilares da retomada e da reforma do sistema multilateral. Parte da inclusão ocorreu por insistência do governo brasileiro e a meta era a de concluir a negociação até o fim de 2010. Os negociadores estariam comprometidos a superar suas diferenças. De um lado, EUA e Europa fariam concessões no setor agrícola. De outro, países emergentes considerariam abertura em seus mercados para bens industriais. Mas nada disso vai ocorrer.

Para muitos, a culpa pelo fracasso é do governo americano. Washington pressiona Brasil, China e Índia por aberturas significativas de seus mercados, mas não diz o que está disposto a oferecer em troca. Diante do impasse, o acordo era de que, em março, ministros se reuniriam para determinar o que fazer com a Rodada.

Agora, a opção foi por cancelar a viagem dos ministros e serão apenas embaixadores que tentarão chegar a um entendimento.

Fontes confirmaram ao Estado que o cancelamento da participação dos ministros foi uma exigência da administração de Barack Obama. Só que não há nem ministros, nem embaixadores. Não há ninguém com autoridade para negociar o que até agora foi inegociável.

Doha morreu. Vamos esperar que a OMC, de alguma forma, sobreviva.

COLABOROU JAMIL CHADE

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