EDITORIAL Correio Braziliense - 28/02/2010
Horas antes da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cuba, quarta-feira, o dissidente político Orlando Zapata Tamayo, um pedreiro de 42 anos, morria em uma das masmorras do regime fidelista. Ele estava em greve de fome havia 85 dias para clamar por tratamento mais humano a 200 presos políticos que com ele dividiam o cárcere. Zapata foi condenado a 25 anos de reclusão. Quais os delitos que cometeu? "Desacato, desordem pública e resistência", imputações penais que justificam a prisão de quem dissente da ditadura castrista.
Não seria razoável passar ao presidente Lula atestado de alienação ideológica, espécie de intoxicação sectária que poderia explicar a omissão diante daquela bárbara violação de direitos humanos. Lula tem plena noção de que a ilha caribenha está submetida a feroz despotismo stalinista há 51 anos. Então o apoio aos carrascos do povo cubano e a solidariedade ao Estado truculento são atitudes fundadas em avaliação consciente.
Com evidente contrariedade, o presidente Lula se viu compelido pela imprensa a pronunciar-se sobre o trágico destino de Zapata. Esperava-se que fizesse, no mínimo, alguma conclamação em favor do respeito aos direitos humanos. Mas, de forma espantosa, que mais tarde colheria repercussão mundial, criticou o ativista morto: "Lamento que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome", disse. Superou em desfaçatez o próprio Raúl Castro, o irmão de Fidel guindado à presidência do país, que declarou: "São dos Estados Unios a culpa" (da morte de Zapata).
Em reunião com enviados de Cuba, as autoridades espanholas haviam, dias antes, manifestado preocupação com a situação de Zapata. Há muito, porém, a Anistia Internacional colocou-o na lista dos "prisioneiros de consciência". A relação anota as pessoas recolhidas a enxovias políticas por delitos de opinião, fenômeno comum em países de governo tirânico. Mas a greve de fome não resultaria em morte, pelo menos dentro do prazo de 85 dias, se a vítima da brutalidade houvesse sido alimentada por via endovenosa. "Foi um assassínio com roupagem judicial", explicou o líder da ilegal Comissão Cubana de Direitos Humanos, Elizardo Sánchez.
Raúl Castro chegou a informar que o prisioneiro "foi levado aos nossos melhores hospitais". Soube-se, porém, que o socorro veio apenas um dia antes do falecimento por inanição. Explicações do déspota cubano não importam. Permanece, porém, sob severa censura da consciência democrática a conduta de Lula. Presidente de um país alçado ao topo da respeitabilidade internacional, não lhe cabe converter simpatias com governantes discricionários a ponto de não se indignar com a eliminação de opositores e o silêncio imposto pela força às opiniões divergentes.
Entrevista:O Estado inteligente
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