Data: 21/02/2010
Veículo: O GLOBO
Manda a honestidade reconhecer que já perdi a conta das vezes em que escrevi algo intitulado "Ecos de Momo".
Mas tenho argumentos em minha defesa, entre os quais ser do tempo em que os jornais, no sábado de carnaval, publicavam um editorial intitulado "Evoé, Momo!" e, na Quarta-Feira de Cinzas, atacavam com os ecos. O primeiro exortava a que se brincasse o carnaval sem excessos e o segundo espinafrava ou elogiava as autoridades, conforme fosse o jornal da oposição ou da situação.
Admito também que, encarregado, mais frequentemente do que mereciam meus pecados, de escrever esses editoriais, mandava buscar no arquivo os anteriores, misturava os períodos e parágrafos e compunha a nova peça jornalística - que de qualquer forma ninguém lia, era apenas o cumprimento de um ritual venerável.
Em meu favor, diga-se que qualquer um fica com problemas de concentração, com um trio elétrico na rua, soltando um megawatt de pauleira por segundo e ameaçando estilhaçar as vidraças e fazer voar portas de armários. Além disso, o ambiente na redação ficava meio esquisito.
Claro, para quem se acostuma a ver um comentarista político redigir sua nota principal enquanto ajeita a saia de retalhos e passa a mão pela sua peruca de nega maluca, não há problema. Ao contrário do que muita gente pensa, a vida de jornalista é muito estressante.
Isso, contudo, não é suficiente para fazer desistir aqueles, como eu, que se diria terem tinta de impressão correndo nas veias. Nada de pegar colunas anteriores e fazer uma omelete.
Em toda parte há uma notícia, como diziam meus mestres de jornalismo na minha primeira redação, e cabe ao faro do bom jornalista encontrála onde outros nada veem. E assim foi que, na manhãzinha da quarta-feira, saí à rua logo que clareou e me arrependi quase imediatamente de haver pensado nessa metáfora do faro do jornalista, porque meu faro de todos os dias me mandou uma mensagem fulminante: alguém devia ter aberto um tonel de amoníaco na rua. Mas não tive tempo de procurar onde estaria a fonte daquele odor quase letal, porque ela apareceu, como sempre inesperadamente e me pegando pela manga. Não a via há algum tempo, embora deva admitir que não estava com muita saudade e até agradecia não ter topado com ela por estes dias. Era a simpática senhora minha vizinha de bairro, cujo nome até hoje não sei, mas cujas críticas a meu trabalho conheço muito bem.
- Ah, você está aí! - disse ela.
- Trouxe o c aderninho? - Caderninho? Que caderninho? - Quer dizer que você não carrega um caderninho no bolso? Eu achava que todo mundo que escreve em jornal levava um bloquinho no bolso, para anotar as queixas que fazem a ele.
- Bem, até pode ser, mas eu não uso um bloquinho porque...
- ... porque quer ter a desculpa de não falar num assunto que lhe encomendaram, dizendo que esqueceu! Mas, francamente, é uma decepção, mais uma decepção! Ninguém mais mete o malho nessa corja, é uma vergonha! Então você não está sentindo esse cheiro de xixi velho, parecendo que trancaram a gente no banheiro de uma rodoviária no Suriname? - Estou, estou, é verdade.
- Então vai lá e desce o porrete! Aqui ainda dá para respirar, mas dois quarteirões acima é a esquina da morte, é câmara de gás ao ar livre! Mais um avanço tecnológico brasileiro, não é? Você não tem cachorro, tem? Se tivesse, nem queria saber de mais nada. Todo dia eu saio com meu cachorro na mesma hora, no mesmo itinerário, que ele já sabe percorrer sozinho. Mas hoje não, coitado, hoje ele endoidou na primeira cheirada aqui no canteiro.
O pobre do animal surtou! Você sabe que o cachorro se informa de tudo pelo cheiro, não sabe? Pois é, depois de umas duas fungadas, ele já tinha se inteirado da vida íntima de umas quatrocentas pessoas, não tem cachorro que aguente , é um choque de informação! Tem que baixar o porrete nesse governo! - Mas a senhora acha que, nesse caso, a culpa é do governo? - Tudo é culpa do governo! Remexa bem remexido e você descobre que por trás de tudo está o governo.
Desde d. Pedro I que eles nos enrolam! A Independência foi pras negas deles! A República foi pras negas deles! E que é que o povo fica fazendo? Fica mijando na rua e jogando no bicho e na mega-sena, é isso que ele fica fazendo, porque quem tem obrigação não cumpre sua obrigação! Aqui é carnaval mijado e jogatina, é isso o que nós somos, por culpa do governo! Um pouco atordoado, aproveitei que mais donos de cachorros que ficaram doidões se juntaram para ouvir e aplaudir as denúncias dela e fui saindo disfarçadamente, com o cuidado de evitar a esquina fatal.
No caminho da padaria, fui pensando no que ela me pedira, ou melhor, exigira. É, talvez tocando no problema da educação e no número pequeno de banheiros químicos, quem sabe se não seria adequado malhar o governo, como ela queria? E a jogatina patrocinada hipocritamente pelo governo? Mas não tive tempo para ponderações, pois, já na padaria, fui abordado por alguns companheiros de boteco. Que achava eu do caso Arruda? Comecei a falar, mas prontamente me interromperam.
Não era nada disso que eu estava pensando, eles queriam era saber se eu entraria no bolão do Arruda, ia dar uma bela grana.
- Ah, sim, claro - disse eu. E aí fiz uma fezinha de vinte reais como quem vai parar na cadeia é o boy que levou o saco onde o Arruda botou o dinheiro. Acho que esse bolo está no papo.
Entrevista:O Estado inteligente
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