Folha de S. Paulo - 24/02/2010
Nos EUA, Alemanha e França, volta desânimo econômico; crise da dívida dos governos ainda ferve em fogo baixo
"QUEM BATE? É o frio. Não adianta bater, /que eu não deixo você entrar/ etc.", dizia o jingle de um velhíssimo desenho animado de propaganda de cobertores das Casas Pernambucanas, nos anos 70 do século passado.
Ontem se ouvia muito analista de mercado a dizer que o inverno duro derrubou o ânimo ainda tiritante de americanos, alemães e franceses.
Quem bateu foi o frio? A neve que interditou comércios e obras?
Na verdade, o caldo da economia e da finança mundiais voltou a engrossar. Não se trata de dizer que há catástrofe à vista. Mas houve animação excessiva com os "brotos verdes" da economia, em particular da parte dos donos do dinheiro grosso da finança e de seus porta-vozes.
Felizes com a recuperação rápida do preço de ativos financeiros, acabaram por contagiar além da conta as opiniões dominantes na mídia.
Na economia dita "real", o dinheiro nem de longe desabrochou como no caixa da banca e associados. Este inverno ruim no hemisfério Norte apenas tornou um pouco mais sombria uma recuperação econômica ainda muito nebulosa.
Um indicador de confiança do consumidor americano, o do Conference Board, foi ao nível mais baixo em dez meses. A opinião dos americanos sobre sua situação econômica atual é a pior desde 1983. Pioraram as expectativas de encontrar emprego, de ter um trabalho satisfatório, de ganhar mais.
O desemprego americano é o mais alto desde o início dos 1980; o trabalho precário é mais comum. O índice do Conference Board costuma traduzir com certa precisão a atitude do consumidor -medo de desemprego implica carteira mais fechada.
Faz 17 anos que não havia tantos bancos problemáticos nos Estados Unidos, segundo o FDIC (Federal Deposit Insurance, meio regulador, meio garantidor de depósitos). São bancos bem menores do que aqueles quebrados em 2008 -trata-se de instituições regionais e até municipais. Mas são quase 9% dos bancos.
O risco de quebras continua a crescer. O total de empréstimos bancários continua a cair em 2010. Os consumidores franceses cortaram despesas. Os empresários alemães também ficaram mais desanimados em janeiro, segundo o instituto Ifo. O presidente do banco central britânico, Mervyn King, disse que o crescimento europeu empacou, que isso não é bom para o Reino Unido, e insinua que o BC deles deve continuar a "imprimir dinheiro". São todas notícias de ontem.
Há ainda o caso grego, metáfora para o problema de endividamento excessivo de vários governos europeus. Governos do mundo todo fizeram mais deficit e dívida a fim de conter uma depressão econômica.
Contiveram: o estímulo do gasto público fez as economias andarem mais rápido no final de 2009. Mas o efeito do estimulante passa.
Fica o efeito colateral: dívidas. Governos pagam dívidas aumentando impostos ou cortando gastos. O que reduz o consumo global da economia. A conta vai chegando.
Persiste o temor de que algum governo dê calote, o que seria catastrófico. Mesmo muito a contragosto, é provável que um país rico como a Alemanha evite a quebra de primos pobres. Mas o inverno está passando, e o clima não está nada bom.
Entrevista:O Estado inteligente
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