O Globo - 12/02/2010
Se as marchinhas de carnaval falando sobre os panetones do Arruda já previam que sua excelência seria o principal personagem da folia em vários cantos do país, sua prisão veio dar um toque dramático a esta tragédia da política brasileira. Não é todo dia que um governador de Estado, principalmente o da capital do país, vai em cana. Na verdade, Arruda inaugurou essa possibilidade, até hoje uma ameaça implausível, o que representa uma mudança de qualidade na Justiça brasileira que pode ter reflexos na política.
Por isso, é estranhável a reação do presidente Lula, preocupado com a sorte de Arruda e considerando que não é bom para a classe política que um governador vá preso. Ao contrário, a prisão de Arruda, mesmo que seja por poucas horas, é um avanço democrático. O que Lula faz, mais uma vez, é defender a impunidade dos políticos, como fez com os mensaleiros e com os aloprados do PT.
A maneira arrogante e dissimulada com que Arruda, agora governador afastado do DF, continuava a exercer o poder em Brasília, controlando a Câmara Distrital às custas dos votos dos deputados envolvidos com ele nos escândalos de corrupção, e o cinismo com que tratava as denúncias, demonstravam não apenas que ele tinha certeza de que era inatingível pela lei das probabilidades que regia a política nacional, mas que estávamos lidando com um psicopata político.
No seu pedido de afastamento do cargo, ainda ontem, diante da prisão decretada, Arruda ainda insistia na fantasia de que é ele a vítima de uma armação política de adversários e que estava limpando a administração pública.
Essa distorção da personalidade já havia surgido em 2001, no escândalo da violação do painel eletrônico do Senado Federal. Arruda negou, depois admitiu a culpa, chorou, atribuiu sua atitude à arrogância do sentimento do poder absoluto e prometeu se emendar.
Apresentou suas desculpas quase que pessoalmente aos eleitores do Distrito Federal e voltou consagrado ao poder.
Jogou fora uma carreira política que poderia ter sido exitosa, pois tinha as qualidades do bom administrador, neutralizadas pelo desvio de personalidade e pela ganância financeira desmedida.
A maneira mafiosa com que governava foi revelada pelos filmes que seu secretário Durval Barbosa gravou clandestinamente, provas da corrupção generalizada e da certeza da impunidade.
As imagens quase pornográficas mostraram para todo o país a disseminação da bandalheira em seu desgoverno, mas sobretudo a apodrecida política partidária brasileira.
O desmonte do esquema respingou diretamente no seu partido, o DEM, que, apesar de tê-lo forçado a deixar a legenda, não teve força para expulsá-lo, tamanhas eram as influências de seu poder político.
Ao ponto de até ontem filiados do DEM ainda participarem do governo do Distrito Federal.
O pedido de intervenção federal feito pelo procuradorgeral da República, mesmo que não venha a se viabilizar, mostra o nível de podridão a que chegou a política no Distrito Federal nos últimos anos, dominado pelos grupos de Roriz e Arruda, em disputa permanente com golpes abaixo da linha da cintura.
Além de escutas clandestinas na Câmara Distrital e tentativa de suborno de uma testemunha, o governador afastado usava até o limite seus recursos de poder para tentar se manter imune a punições.
Na tentativa de obter apoios políticos, ele ousou até chantagear os deputados federais.
Nos últimos dias, expediu ofícios convocando de volta todos os servidores do Distrito Federal requisitados para trabalhar na Câmara dos Deputados, a maior parte em gabinetes dos parlamentares.
Junto com a convocação, o governo do Distrito Federal insinuava que os casos seriam resolvidos individualmente em conversas de Arruda com o parlamentar interessado.
O presidente da Câmara, Michel Temer, foi procurado por diversos deputados com queixas sobre o procedimento do ainda governador do Distrito Federal.
Mas não é provável que esse escândalo prejudique mais do que já prejudicou a campanha do candidato do PSDB à sucessão de Lula, embora seja previsível que aumenta a inviabilidade de o DEM indicar o vice na chapa oposicionista.
O tema da corrupção na política não deve animar muito a campanha presidencial, pois todos os partidos que contam na sucessão, em maior ou menor grau, estão envolvidos em casos. E isso diz muito das misérias do nosso sistema políticopartidário.
Vai ficar mais difícil, isso sim, fechar um acordo eleitoral com o grupo do ex-governador Joaquim Roriz, que voltará a ser o grande nome da política do Distrito Federal.
Berço político de Arruda, transformado em seu adversário e algoz através de Durval Barbosa, Roriz estará cada vez mais exposto à análise do eleitorado, e tem um telhado de vidro que não resiste a muita publicidade.
O fato de que vários mensaleiros do PT continuam na vida pública, livres, leves e soltos, e que muitos deles estejam assumindo postos relevantes tanto na Executiva do partido quanto na coordenação da candidatura da ministra Dilma Rousseff, inviabiliza uma campanha mais agressiva contra o chamado "mensalão do DEM", que Arruda protagonizou ainda como a principal liderança política do partido.
Enquanto não foi desmascarado, José Roberto Arruda parecia um político tão promissor que era disputado tanto pelo governo quanto pela oposição. Já estão correndo na internet filmes e fotos que se neutralizam.
De um lado, há um vídeo em que o governador paulista, José Serra, aparece dizendo, risonho, que quem votasse em um careca ganharia dois, isso nos tempos em que Arruda aparecia como boa opção até para ser vice na chapa tucana.
Mas há também uma foto em que Lula aparece todo sorridente ao lado do governador do DF, segurando uma camisa de futebol com o nome de Arruda estampado.
Cenas de um país que não tem um sistema partidário organizado e que vive mais de nomes do que de programas e projetos.
Entrevista:O Estado inteligente
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