Folha de S. Paulo - 16/02/2010
Xerife do mercado britânico critica livre fluxo de dinheiro, a finança e elogia taxa sobre entrada de capitais no Brasil
O LORDE que fiscaliza o mercado financeiro britânico, um dos dois maiores, mais complexos e mais liberais do mundo, disse ontem algo parecido a um grande cardeal da Igreja Católica anunciar que acha adequado o uso de preservativos em relações casuais.
Lord Adair Turner, presidente da Financial Services Authority, afirmou ontem o seguinte, em discurso no banco central da Índia: 1) Especulação internacional com moedas pode ser algo muito nocivo;
2) É no mínimo duvidoso que a liberdade de capitais da finança seja de algum modo positiva para o crescimento econômico;
3) Impor controle do fluxo de capitais pode ser bom, tal como o Brasil faz desde outubro de 2009;
4) O sistema financeiro é grande demais para o tamanho das economias, sendo em parte inútil;
5) Parte das inovações financeiras das últimas três décadas e da teoria que a sustentava era apenas ideologia interessada. Turner cita estudos recentes para dizer que os efeitos positivos dos fluxos de capitais de curto prazo podem ser muito pequenos mesmo quando não ocorrem choques econômicos ou financeiros. Os choques, de resto, quase anulam tais benefícios.
Um tipo de operação financeira criticada por Turner é "carry trade". Isto é, tomar empréstimos na moeda de um país onde o juro é muito baixo (iene, por exemplo) e investir numa moeda onde o juro é mais alto (como, em anos recentes, o Brasil), a fim de ganhar com a diferença. Turner diz que "não consegue discernir nenhum valor econômico" nisso.
Tais negócios foram responsáveis, em parte, por valorizar demais o real; um real forte "demais" (o demais é controverso) encarece as exportações e barateia importados. Pode prejudicar, assim, o comércio e empresas brasileiras. Uma saída rápida de capitais "especulativos" pode desorganizar a atividade econômica dita "real". Turner então elogia a taxação da entrada de capitais (para desestimular excessos especulativos) implementada pelo Brasil.
Em suma, a defesa da livre movimentação de dinheiro e a inovação financeira se baseia no seguinte: 1) Quanto mais diversos instrumentos financeiros houver, mais bem atendidas estarão as necessidades de realização de negócios e cobertura de risco dos agentes econômicos (como instrumentos negociados em mercados futuros, seguros de crédito e derivativos do gênero); 2) Quanto mais líquido e livre um mercado, menos distorção haverá: a ação dos agentes econômicos refletiria "fundamentos" econômicos.
Isto é, a moeda de um país se valoriza porque um país é capaz de pagar suas contas, seus credores. Se investidores, "especuladores" ou não, compram em massa essa moeda, mesmo sem que precisem realizar operações "reais", comerciais, isso seria reflexo de "fundamentos".
Mas sabe-se que "comportamentos de manada", irracionais, provocam excesso, superinvestimento num ativo financeiro (ações etc.) e seu contrário; causam bolhas. Paul Volcker, lendário presidente do Fed, ora assessor de Barack Obama, costuma comentar com sarcasmo sofisticações excessivas das finanças. Diz que, nas últimas décadas, a invenção mais útil do setor financeiro foi o caixa automático.
Entrevista:O Estado inteligente
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