O GLOBO - 26/02/2010
O presidente Lula teve, em sua quarta visita a Cuba, um teste importante para seu elogiado papel de líder emergente de um país que cresce em prestígio e importância no cenário internacional. E foi reprovado.
A trágica morte de um preso político cubano — por crime de opinião —, em greve de fome, coincidindo com a chegada de Lula a Havana, não foi capaz de desviálo, um milímetro sequer, de seu curso de apoio à ditadura castrista, nem de inibir fotos sorridentes com os irmãos Castro, num cinismo que tanto deixa mal o presidente — e sua imagem de líder preocupado com as questões sociais, mas economicamente responsável —, quanto o país que representa. Ainda mais quando se está ao lado de Raúl Castro, no momento em que este dá fantasiosa explicação para a morte de Orlando Zapata Tamayo: a culpa é dos Estados Unidos (!).
O desempenho de Lula tem tido aprovação ampla interna e externamente, mas ele derrapa com frequência na diplomacia, ao refletir (ou concordar com) as ideias de um grupo dentro do governo que vê as relações internacionais com olhos da Guerra Fria e do conflito Norte-Sul. Com isso, o Brasil deixa de usar seu peso crescente na América Latina para promover a democracia — a qual consta, aliás, dos estatutos do Mercosul. Faz o contrário: protege ditadores e caudilhos, como os irmãos Castro e Hugo Chávez. É uma política de duas faces: na crise de Honduras, a diplomacia brasileira se aferrou ao mais estrito legalismo, renunciando à flexibilidade na busca de soluções; mas, no caso cubano, não faz qualquer observação crítica ao fato de o regime da ilha ser uma ditadura stalinista que ainda mata dissidentes políticos. Enquanto, no plano interno, divulga com estardalhaço um plano de defesa dos direitos humanos, externamente se alia a quem desrespeita os mais óbvios desses direitos, como a defesa da vida e da liberdade de expressão.
O respeitado jornal espanhol "El Pais", em editorial, afirmou ontem: "Com esta visita a Havana, Lula tem a oportunidade de demonstrar que o papel internacional crescente do Brasil não significa sacrificar o principal capital político que ele tem colhido: a opção por uma esquerda capaz de oferecer progresso e bemestar mediante o fortalecimento e a gestão das instituições e dos procedimentos democráticos." A oportunidade foi perdida. Por conveniências ideológicas, Lula queima parte do capital que acumulou para se credenciar a líder regional capaz de mediar situações difíceis. Aliado intransigente dos Castro e de Chávez, como ficou claro, deixa de ter independência para tal. Num plano mais amplo, ocorre o mesmo ao se deixar usar pelo Irã da ditadura militar e teocrática. Melancólico.
Entrevista:O Estado inteligente
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