O GLOBO
Dos empréstimos concedidos no ano passado pelo BNDES, as grandes empresas representaram 9,7% das operações e ficaram com 83% do dinheiro. Há casos espantosos, como o do frigorífico JBS Friboi, do qual o BNDES comprou 99,9% das debêntures emitidas. O maior desembolso foi para o projeto que tem contestação do TCU, mas que o governo resolveu manter assim mesmo: a refinaria Abreu e Lima.
O BNDES é um velho canal pelo qual o Brasil transfere dinheiro para a elite empresarial. O dinheiro é mais barato do que o custo pago pelo Tesouro por sua dívida, ou seja, é subsidiado.
Nunca antes na história desse BNDES houve tantas operações de grande volume para empresas grandes por motivos discutíveis.
Nesta crise, o banco voltou a ser hospital de empresas, um papel que havia sido renegado na década passada pelos prejuízos que provocou.
No começo do ano passado, logo após receber R$ 100 bilhões do Tesouro, o banco liberou R$ 2,4 bilhões para capitalizar a Sadia, para que a empresa fosse assumida pela Perdigão, formando a BR Foods. A Sadia estava em encrenca justamente por erros dos seus acionistas e administradores na especulação com o câmbio.
E, se não comprasse, o que aconteceria? Nada, a empresa acabaria sendo comprada por um preço mais baixo por qualquer concorrente interessado nos ativos.
O fato é que com operações assim, o que o BNDES preservou foi o patrimônio dos acionistas. Foi mais uma vez o refúgio dos ricos.
O caso do Friboi é espantoso.
Primeiro, porque é descarada a preferência pelo frigorífico e o financiamento total ao seu projeto de internacionalização.
A imprensa fala em R$ 7,5 bilhões aplicados pelo banco na empresa em dois anos. Até o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos, Péricles Salazar, em entrevista ao "Estado de S. Paulo", disse o seguinte: "O grande pecado do BNDES é o excesso. O país tem outras prioridades. Por que jogar tanto dinheiro numa empresa só?" O BNDES admitiu ter posto R$ 3,2 bilhões e mais R$ 2,5 bi no Bertin, comprado pelo JBS.
O Friboi tem quase 80% da sua receita fora do país. Na operação para a compra do Pilgrim's Pride, um frigorífico americano, a empresa lançou debêntures de R$ 3,4 bilhões, e o BNDES comprou 99,9%. A família Batista, dona da empresa, comprou meros 0,05%. Consultado, o JBS alegou que não tinha técnico disponível para responder às nossas perguntas.
Quando a Aracruz também se complicou com derivativos cambiais, a Votorantim a comprou por R$ 5,4 bilhões, mas o negócio só foi possível porque o BNDES fez um aporte de R$ 2,4 bilhões na VCP, 40% do valor do negócio, deixando assim a família Ermírio de Moraes e as famílias donas da Aracruz com seus patrimônios preservados e engordados. Essas operações de compra de ativos não geram emprego, muito menos a compra no exterior, como fez o JBS Friboi.
O dinheiro dado à Telemar para a compra da Brasil Telecom foi uma extravagância.
E, de novo, era um negócio que significava mais concentração e nenhum emprego.
Só duas das parcelas foram: R$ 2,6 bilhões, anunciada em 2008, e R$ 4,4 bilhões, em 2009. Consultada, a empresa disse que está em período de silêncio que antecede a divulgação de balanços.
O BNDES afirma que só participou com R$ 2,6 bilhões na compra pela Telemar da Brasil Telecom. No balanço de 2009, há R$ 4,2 bi em empréstimos para a Telemar e Brasil Telecom.
O pior empréstimo do BNDES foi para o frigorífico Independência, porque a operação de injeção de R$ 450 milhões no capital foi feita em novembro de 2008. Com esse capital, o banco ficou sócio do frigorífico, do qual 100% das ações pertenciam à família Russo. O banco subscreveu R$ 250 milhões de ações e em março faria outra operação de R$ 200 milhões, mas aí a empresa quebrou e entrou em recuperação judicial.
Hoje, vários bancos estão na Justiça, inclusive o JP Morgan, para tomar os bens de acionistas. O BNDES nos respondeu que encaminhou o assunto ao departamento jurídico. O que precisa ser explicado é como ele colocou tanto dinheiro num frigorífico às vésperas de quebrar.
O BNDES montou também uma acrobacia fiscal para tentar garantir a aparência de cumprimento do superávit primário. Transferiu R$ 3,5 bilhões para o Tesouro comprando dividendos da Eletrobrás.
Tradicional financiador de projetos de longo prazo, o banco hoje em muitas operações se distancia desse perfil. Virou sócio de empresas com dificuldades e, além disso, empresta recursos para as mesmas empresas das quais é sócio. Faz operações de alto risco, como a do Frigorífico Independência, e participa de manobras fiscais para edulcorar as contas públicas.
Para as pequenas empresas, o banco destinou 5% do capital; para as micro, 4%; e para as médias, 7%. Pessoa física ficou com 1%. O resto, 83%, foi para as grandes, que são apenas 9,7% das operações.
No site da instituição, está registrado que os maiores empréstimos foram para a Refinaria Abreu e Lima, R$ 10 bilhões; Petrobras, com outros R$ 10 bilhões; alguns grandes projetos como Santo Antônio; Jirau; e grandes empresas mesmo estrangeiras como General Motors. No ano passado, na área industrial, o JBS está como a maior operação, com R$ 3,5 bilhões a título de "internacionalização da empresa". A segunda é de compra de ações da BR Foods, de "até" R$ 1 bilhão.
E houve várias operações apenas de concessão de capital de giro, como a de R$ 200 milhões para a Camargo Corrêa, mesmo valor destinado à Positivo Informática.
Para as Lojas Americanas, R$ 150 milhões; para a TIM, duas operações de R$ 200 milhões cada. Capital de giro não costuma ser financiamento de longo prazo.
Digamos que tudo isso foi feito numa ação anticíclica.
E agora que a crise passou? O BNDES vai manter o mesmo tipo de atuação?
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