O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/02/10
Um projeto de governo mais à esquerda, estatizante e intervencionista, com Dilma Rousseff na Presidência, transpõe fronteiras e começa a ser conhecido mundo afora. Na quarta-feira o jornal espanhol El País publicou reportagem em que afirma que o projeto de Dilma "consagra uma maior e mais decisiva presença do Estado na economia". E observa: "Para Rousseff, o grande desafio, se ganhar as eleições, será superar o peso de 25 anos de estancamento da economia e das políticas econômicas." Nesses 25 anos, analisa o jornal, "ela coloca também os 8 anos do governo Lula, embora seja rápida para notar que com Lula aprendemos o caminho".
Ainda desconhecidas no exterior, as diferenças entre Lula e Dilma - de estilo e de conteúdo mais do que se imagina - acendem um sinal amarelo de desconfiança entre chefes de Estado de países aliados. Afinal, o projeto do socialismo bolivariano de Hugo Chávez seria bem-visto pela candidata? O perfil autoritário e inflexível de Dilma, menos fanfarrão que o de Chávez, mas não menos duro, ajudaria a empurrá-la para o grupo Venezuela-Equador-Bolívia? Ela seria capaz de romper contratos, expropriar empresas privadas, calar emissoras de rádio e de TV?
Hoje a resposta certamente é não. No Brasil não há mais espaço para tanto recuo nem Dilma tem carisma político de liderança populista capaz de manipular a população desinformada como fazem Chávez e companheiros. Mas ela tem, sim, um projeto de governo diferente do de Lula e tudo fará para realizá-lo.
Ainda com Lula ela conseguiu levar adiante parte desse projeto: o BNDES financiar a incorporação de empresas para criar grandes conglomerados nacionais. O ex-presidente Geisel também fez isso, mas amparado pela ausência de leis e regras que lhe dava a ditadura. Dilma quer fazê-lo na democracia, onde direitos são iguais e a população deve ser o foco principal das ações de governo. Felizes ficam os empresários contemplados; infelizes, os outros não escolhidos e a população que paga preços mais caros com a falta de concorrência.
Em entrevista ao Estadão na sexta-feira, o presidente Lula reafirma a convicção de que o Estado deve ser regulador e indutor de investimentos. O projeto de Dilma Rousseff vai além. Para ela, o Estado precisa controlar a economia e, se as empresas privadas não se submetem, cria-se uma estatal. Foi assim com o setor elétrico quando Dilma era ministra de Minas e Energia.
Na época, os investimentos em energia elétrica ficaram paralisados por mais de um ano, porque não havia entendimento entre os empresários - para ela não passavam de aproveitadores interessados em extrair vantagens do governo - e as regras para regular investimentos que brotavam da cabeça da ministra. Inexperiente e desconhecedora do tema, ela se recusava a ouvi-los. E o que fez? Criou uma estatal, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que usurpou poderes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para preparar leilões com regras que combinassem com o ideário da ministra. "Será uma empresa pequena, com meia dúzia de cabeças pensantes, um boy e uma secretária", disse-me ela na época. Hoje a EPE tem quase duas centenas de funcionários e sua necessidade nunca foi comprovada.
Lula agora quer ressuscitar a Telebrás para levar banda larga a lugares distantes onde empresas privadas não vão. Nada que um programa de governo não resolvesse. Para que mais uma estatal? Para encher de apadrinhados, desviar dinheiro público e ser instrumentos de interesses eleitorais dos políticos? A Telebrás revivida tem a impressão digital de Lula. Mas pode fazer escola com Dilma Rousseff.
As diferenças entre Lula e Dilma vão-se acentuar se ela chegar à Presidência. A imperativa certeza ideológica da ministra não faz parte do perfil político de Lula. Pragmático, ele não vacila em mudar, se sua intuição achar conveniente. Foi assim com a Carta ao Povo Brasileiro, em que ele renegou quase 20 anos de pregações políticas no PT. Lula não é movido por ideologia, mas pelo desejo de ser sempre um aclamado e amado vencedor.
Sua candidata é diferente. As convicções estatizantes, intervencionistas e nacionalistas ela traz da época de militância na VAR-Palmares nos anos 70, quando o ideal do socialismo era uma esperança para os jovens e, ainda erguido, o Muro de Berlim escondia a amarga verdade daquele mundo socialista.
Dilma Rousseff ainda é desconhecida fora do País. A gafe que cometeu em Copenhague não chegou a fazer estragos. Mas agora vai mudar. Ela vai ficar no olho do furacão.
Entrevista:O Estado inteligente
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