O Estad de S Paulo
Esse debate, transmitido por um pool de emissoras de rádio e televisão, será a consolidação da evolução política e da consciência de cidadania em nosso país. A experiência dos dois homens públicos que mais influenciaram, enquanto chefes de Estado e governo, o rumo que o País tem tomado nas duas últimas décadas, certamente iluminará o cenário de nosso futuro e a construção dos valores que haverão de nortear a existência de nossas próximas gerações. Por isso esse debate, apresentado em horário nobre (da TV), oferecerá à sociedade brasileira uma oportunidade única de entender, em profundidade, a importância da política e do trato da coisa pública.
As críticas sem fundamento, as insinuações maldosas ou as aleivosias gratuitas, assacadas no calor da campanha eleitoral, já a pleno vapor, cederão lugar a análises de homens com a experiência do comando supremo do País, que não são candidatos a nada se não à função de preservar a melhor imagem de suas importantes biografias. Será uma verdadeira homenagem à capacidade de discernimento do povo brasileiro, que no transcorrer do encontro, pelos dados, argumentos, raciocínios e gestos demonstrados pelos dois presidentes da República, captará a informação real, a sinceridade das afirmações e a verdade dos fatos exibida ou escondida por cada debatedor.
O debate será livre e solto, dividido em cinco blocos de 20 minutos, cuidando o mediador, apenas, de que os dois debatedores possam expressar-se com liberdade, perguntando ou respondendo a perguntas do interlocutor, ou expondo temas de sua preferência, com tempos de participação equitativamente distribuídos - 10 minutos para cada debatedor, contínuos ou intercalados, em cada bloco. Nenhum tema ou pergunta se considerará fora da pauta de debates, que será elaborada espontaneamente, na hora, pelos próprios debatedores.
Assim, por exemplo, Lula poderá perguntar a FHC por que nas crises econômicas internacionais que enfrentou não optou por estimular o consumo, baixar os juros e reduzir alguns impostos; por que favoreceu tanto os banqueiros com a dinheirama do Proer; por que fez tantas privatizações; e até que ponto é verdade que correu dinheiro no Congresso por ocasião da votação da emenda constitucional que criou a reeleição. Por sua vez, FHC pode perguntar a Lula por que o PT se posicionou frontalmente contra o Plano Real; por que o governo Lula "aparelhou" tanto todos os setores da administração, distribuindo cargos políticos em funções eminentemente técnicas; por que cedeu tanto na divergência com todos os países com que o Brasil negociou - principalmente em favor da Argentina; e se é verdade, mesmo, que não sabia coisa alguma sobre o mensalão discutido e acordado na antessala do gabinete presidencial.
Sem dúvida a parte mais importante do debate abordará a presente sucessão presidencial. Lula deverá explicar, claramente, por que o governador José Serra não é a pessoa mais preparada para governar o País - e por que a ministra Dilma Rousseff o é. FHC, por sua vez, deverá explicar por que Dilma não é a pessoa mais preparada para governar o País e por que Serra o é. O ex-presidente e o presidente disporão de todo o tempo necessário para discorrer sobre o grau de conhecimento, a experiência administrativa, a capacidade de articulação política, a demonstração de liderança e, sobretudo, a trajetória percorrida na vida pública por seus candidatos.
Outra parte que despertará muito interesse diz respeito ao sistema de alianças partidárias e às relações de afinidade que têm levado às montagens dos palanques. Forçosamente virão à tona as mudanças diametrais de opinião sobre determinadas figuras políticas. Haverá, então, a oportunidade de o eleitorado brasileiro entender como é possível que um político chamado pelo outro de corrupto, incapaz, destituído de qualquer espírito público, tempos depois - e nem tanto tempo assim -, torna-se o parceiro político mais competente, o homem público mais fiel e de maior valor, justamente para aquele mesmo ex-detrator, que só deixara de o xingar de santo.
Certamente a política externa - os ganhos e perdas de posições do Brasil nos organismos internacionais, as vantagens e desvantagens de alianças e alinhamentos, a evolução da tradição diplomática brasileira - será um tema a ser discutido, melhor do que ninguém, pelas pessoas públicas que mais recentemente a têm orientado. Neste e em inúmeros outros campos, como o da responsabilidade fiscal, o da eficiência administrativa, o dos padrões éticos na administração pública e tantos mais, serão muito oportunas as comparações, entre os dois governos, que façam seus titulares.
É claro que esse debate terá algum reflexo na formação de convicção dos eleitores, na disputa eleitoral daqui a meses. Afinal de contas, PT e PSDB, com seus respectivos aliados, são os polos do bipartidarismo informal que já se estruturou solidamente no País. O debate eleitoral decisivo, no entanto - e ninguém com um mínimo de lucidez poderá negá-lo, sob pena de reduzir a zero a capacidade de discernimento do eleitor brasileiro -, será entre os candidatos José Serra e Dilma Rousseff. Quando chegar a hora estarão os dois, com suas próprias qualidades (e defeitos), expostos ao julgamento popular de sua competência, independentemente de apoios e apadrinhamentos, por fortes que estes sejam - pois governantes de fato são "presenciais", e não teleguiados.
Bom é saber que nenhum dos nossos dois valorosos presidentes (o anterior e o atual) se acovardará, negando-se ao debate - pelo que deverão confirmá-lo logo após o carnaval.
Entrevista:O Estado inteligente
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