FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10
Os namorados vão passar o dia inteiro rindo e brincando, e esses namoros serão muito felizes, enquanto durarem
TUDO MUDA: as modas vão e voltam, e basta ter paciência e esperar para que várias coisas do passado voltem ou que novidades surjam -e uma novidade é sempre um acontecimento.
Vai ser manchete a notícia de que um grande sábio descobriu que exercícios físicos fazem mal à saúde; a ginástica passará a ser proibida e passível de castigo; talvez até, às duras penas da lei. E alguém vai decretar que o trabalho não enobrece, e que para uma vida feliz é fundamental o ócio total. De que as pessoas vão viver? Ah, estamos apenas divagando, não falando sério -aliás, nesse mundo vai ser proibido falar a sério.
Será capa das revistas que cuidam da saúde que o sol faz bem e que passar o dia inteiro na praia passando óleo no corpo é a melhor receita para uma pele bonita, sedosa e sem manchas. Além disso, todos serão obrigados a tomar uma caipirinha a cada hora e meia, para que a humanidade paire, permanentemente, 50 centímetros acima do nível do mar; o suco de açaí com cenoura e beterraba será terminantemente proibido, os padrões de beleza vão mudar, e quando você aparecer com oito quilos a mais, o comentário geral será: "Mas como está linda, com o rosto mais cheinho" (em Milão já é assim).
A praxe será acordar e ficar na cama até a hora que quiser -lendo os jornais, vendo desenho animado na televisão (sem som) e comendo chocolate. Mas não pense que tudo vai ser permitido, pois algumas coisas serão rigorosamente proibidas. Exemplo? Legumes em geral, brócolis e couve-flor em particular. As fibras serão consideradas veneno; em compensação, as gorduras estarão não só liberadas como serão aconselháveis, para melhorar o colesterol e evitar o infarto.
Será obrigatório namorar muito; os namorados vão passar o dia inteiro rindo e brincando, e esses namoros serão muito felizes, enquanto durarem. Existe também um pré-namoro que pode e deve acontecer sempre; é um tipo de sedução inocente que pode ser feita com homens, mulheres e crianças, sem compromisso algum, mas que pode ser exercida na hora de comprar o jornal, o pão, ou de perguntar que horas são.
Nesse admirável mundo novo não haverá ciúmes, nem ambição, nem competitividade, pois ninguém vai acreditar num absurdo desses: que só porque alguém tem uns papéis datilografados dentro de uns envelopes é dono de carros, casas, ilhas e empresas.
A moeda de todos os países será igual, para não se ter que fazer muita conta, e como a educação, a saúde e a velhice serão de responsabilidade do Estado, vamos poder viver sem essas preocupações, que são nossas maiores.
Os amigos não nos darão, jamais, o menor trabalho; nunca nos obrigarão a ir a seus aniversários, e nunca nos sentiremos culpados se não formos. O Natal será um momento de paz e sorrisos entre os homens, exatamente como dizem que é, só que será mesmo, e bastará uma grande travessa de rabanadas e um copo de vinho para inundar de alegria nossos corações.
Pequenas coisinhas: os cachorros serão proibidos de latir, os ônibus de turistas de circular, a temperatura nunca passará dos 22 graus, nunca mais vai ser preciso entrar em nenhuma fila, e quando você andar na rua vai sentir que todo mundo sorri, deixando claro que é um grande prazer e uma grande alegria sua aparição, pois todos gostam muito, muito de você.
Não vai ser bom?
Entrevista:O Estado inteligente
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