Ricardo Stuckert/PR
Lula Marques/Folha
Houve um tempo em que as ideologias, quando ficavam bem velhinhas, vinham morar no Brasil.
Hoje, dá-se coisa diferente. O Brasil visita as ideologias moribundas em seus habits naturais.
Na bica de completar oito anos de gestão, Lula acaba de realizar sua quarta viagem a Cuba. Dessa vez, deu azar.
Desembarcou em Havana no dia em que morreu Orlando Zapata, levado ao cárcere por ter cometido o crime de discordar do regime.
Nesta sexta (26), de passagem por El Salvador Lula fez uma nova tentativa de explicar o que a oposição cubana chamou de "silêncio cúmplice".
"Aprendi a não dar opinião sobre as atitudes de outros governos porque muitas vezes metemos a colher onde não deveríamos", disse Lula.
Curioso, muito curioso, curiossímo. No afã de explicar a inação de Cuba, Lula "apaga" da memória o colheraço que acaba de meter em Honduras.
Melhor que Lula tivesse imitado o seu "chanceler do B", Marco Aurélio Garcia, clicado pelo repórter Lula Marques na sequência de fotos ao lado.
Esquerdista de mostruário, Marco Aurélio reagira à morte de Zapata de modo mais singelo: "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro".
Absurdo por absurdo, o auxiliar de Lula, por conciso, pelo menos soou mais curto que o chefe.
Mais um pouco e Marco Aurélio alcançaria a perfeição do personagem dostoievskiano da velha Rússia: "Se Deus não existe, tudo é permitido".
Lula, porém, preferiu esmiuçar o que lhe vai na alma: "Não podemos julgar um país ou a atividade de um governante em função da atitude de um cidadão que decide fazer uma greve de fome".
De fato, não se deve julgar Cuba apenas pela morte de Zapata. A ditadura cubana, velha de mais de cinco décadas, já produziu atrocidades infindas.
É mais cômodo julgar o morto: "Um cidadão que entra em greve de fome está fazendo uma opção que, na minha opinião, é equivocada".
Zapata desceu à cova aos 42 anos. Detido em 2003, cumpriria 32 anos de cana. Deixaria o cárcere em 2035, aos 67. Optou pela morte.
Os repórteres mudaram de assunto. Perguntaram a Lula o que achara da decisão de Hugo Chávez de abandonar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos depois da divulgação de relatório que questiona a violação às liberdades na Venezuela.
Lula agarrando-se de novo ao silêncio companheiro: "Não vou comentar a decisão de Chávez e não é correto que um chefe de Estado faça uma avaliação sobre uma decisão de outro chefe de Estado sem estar bem informado".
Perguntou-se a Lula sobre a viagem que fará ao Irã. Algo que animou a secretária de Estado Hillary Clinton, dos EUA, a visitá-lo na semana que vem.
E o presidente, em timbre altaneiro: "Não vejo nenhum problema em eu visitar o Irã e não terei de prestar contas a ninguém, a não ser ao povo brasileiro".
Para sorte de Lula, o povo brasileiro está em outra. Submetido a um cenário em que a socialdemocracia brinca de roda com o DEM e o socialismo operário pula amarelinha com o PMDB, o povo se liga emCazuza.
À procura de uma ideologia pra viver, prefere suar a camisa e obter a pecúnia que enche a geladeira e assegura a preservação da rotina pequeno-burguesa de comer três vezes ao dia.