O Estado de S. Paulo - 25/02/2010
Passar umas semanas na Argentina é uma boa receita para apreciar a nossa democracia, que aos poucos se vai consolidando.
O país vizinho, embora com maior nível educacional que o nosso e um desenvolvimento histórico mais precoce, há anos já se encontrava, em alguns aspectos, em condições institucionais precárias. Dois elementos merecem destaque. O primeiro é a situação das províncias. Enquanto, no Brasil, os Estados foram fruto da constituição da Nação, como desdobramento das capitanias hereditárias, na Argentina as províncias precederam a Nação. Isso deu a elas um poder político especial, a ponto de as Constituições locais terem autonomia para fixar uma série de dispositivos que no Brasil devem obedecer a uma legislação nacional. Dessa forma, há várias províncias nas quais existe a figura da reeleição sequencial por diversas vezes, procedimento que no Brasil é vedado. O segundo fator de atraso era o mecanismo eleitoral. Enquanto o Brasil já dispunha da urna eletrônica há várias eleições, a Argentina continuou praticando o voto manual. O resultado disso é que candidatos importantes a eleições majoritárias que não se localizam nos maiores partidos podem acabar tendo uma votação formal bastante inferior à efetiva, pela falta de fiscais - expediente que no Brasil lembra a República Velha.
A esses e outros fatores se somou a deterioração institucional do país verificada nos últimos anos. Citem-se, como exemplo, os seguintes fatos:
Néstor Kirchner estabeleceu um estilo baseado no confronto permanente. Como consequência, ele acabou empurrando para a oposição até segmentos do próprio Estado, a ponto de o principal candidato de oposição à Presidência ser o atual vice-presidente;
esse estilo funcionou quando o governo tinha maioria parlamentar, mas gera um estresse enorme num contexto em que a maioria é da oposição ao mesmo tempo que o governo se recusa a ceder. Quando sugeriram ao presidente do Senado - do governo, mas aceito pela oposição em respeito à prática usual de deixar a presidência com a primeira minoria quando ninguém tem mais de 50 % dos parlamentares - que propusesse uma fórmula para aproximar governo e oposição num dos tantos embates, sua reação foi: "Si intento negociar, el Loco me hecha" ("o maluco me demite"), frase que é todo um símbolo do grau de submissão do Parlamento aos desejos do Poder Executivo;
quando a Shell ousou deixar de seguir a recomendação oficial de congelar os preços dos derivados de petróleo, alguns postos de gasolina foram destruídos, diante da passividade policial. O líder "piquetero" responsável por isso foi nomeado, depois, para ocupar um cargo oficial;
em 2009 haveria eleições em outubro. Temendo que a crise se agravasse e a popularidade do governo decaísse ainda mais, o governo antecipou as eleições em vários meses;
o Indec (IBGE argentino) foi destruído. Há mais de três anos a inflação oficial é em torno de 10% inferior, a cada ano, à captada por outras fontes. Os índices oficiais não significam mais nada e deixaram de ser usados como balizamento dos reajustes salariais. Os melhores técnicos foram mandados embora, demitiram-se ou estão passando por tratamento psiquiátrico, tal é o ambiente que impera no órgão;
desde que o banco central argentino foi declarado independente, em 10 anos a instituição já teve 5 presidentes que foram demitidos ou obrigados a se demitir pelo governante de plantão;
o encarregado de assumir o "trabalho sujo" em nome de quem manda iniciou recentemente uma reunião com dirigentes empresariais que queria "domesticar" com as seguintes palavras: "Tenho lá fora a minha rapaziada, especializada em quebrar espinhas e arrancar olhos";
e os fundos de pensão estão sendo utilizados para sacar a descoberto. Com isso, quem não pode se sujeita a ter uma perda grande de padrão de vida ao sair da ativa. E quem pode acerta com a empresa o recebimento de uma parcela do salário "por fora", para poupar no exterior.
A demissão do presidente do banco central, inicialmente mantido no cargo por decisão de uma juíza - que um ministro foi depois à TV declarar que seria "procurada pela polícia" para entregar o arrazoado oficial para fazer valer a demissão judicialmente -, foi apenas o último de uma série de episódios. Por essas histórias, o maior dos desafios que a Argentina terá pela frente depois de 2011 será melhorar a qualidade das suas instituições.
*Fabio Giambiagi é economista, é autor do livro Reforma da Previdência (Ed.Campus)
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
fevereiro
(171)
- No afã de ‘justificar’ Cuba, Lula ‘esquece’ Honduras-
- A morte de Zapata e a omissão de Lula
- Apoiar assassinos, e não ter remorsos
- Celso Ming - Lições da austeridade
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ La amenaza de un virtual cier...
- MARIANO GRONDONA El día en que todos nombraron al ...
- Miriam Leitão Refúgio dos ricos
- Rubens Ricupero Paz perpétua
- Ferreira Gullar Pega mal
- MERVAL PEREIRA Palpite infeliz
- SERGIO FAUSTO Basta ter olhos para ver
- SUELY CALDAS Estatais? Para que?
- JANIO DE FREITAS Cuba e seus amigos
- DANUZA LEÃO O melhor dos mundos
- CLÓVIS ROSSI Ladeira acima
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Tempos modernos
- GAUDÊNCIO TORQUATO Os eixos da identidade de Dilma
- Celso Ming - O lucro do Banco do Brasil
- Merval Pereira Temores
- EDITORIAL - O GLOBO Tática de ocas
- VILAS-BÔAS CORRÊA - COISAS DA POLÍTICA Lula pisou ...
- CLÓVIS ROSSI Cuba, sonho que virou pesadelo
- MERVAL PEREIRA Temores
- MÍRIAM LEITÃO Gregos e nós
- O roteiro final do mensalão
- Reinaldo Azevedo: NOTA DE PIMENTEL É DESASTRADA.
- MÍRIAM LEITÃO Ilha presídio
- CELSO MING Reinício do aperto
- Banda turva-EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO
- JOÃO MELLÃO NETO- QUEM TEM MEDO DOS POPULISTAS?
- Duas faces-EDITORIAL de O GLOBO
- Do lado dos perpetradores - Editorial de O ESTADO ...
- "Lost" Fernando de Barros e Silva
- Os meios e as mensagens-Nelson Motta
- Acordo Brasil-Irã-Merval Pereira
- Modelo démodé Míriam Leitão
- Mexer no coração Merval Pereira
- CELSO MING Vespas sem ferrão
- FABIO GIAMBIAGI O atraso argentino
- LUIZ FELIPE LAMPREIA A casca de banana do outro la...
- ALBERTO TAMER OMC, em risco, admite: Doha acabou
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Novos cotistas
- ARNALDO JABOR RAUL CASTRO CULPA OS AMERICANOS PEL...
- Como vocês já devem saber, morreu o preso político...
- AUGUSTO NUNES
- Equívocos da banda larga Editorial de O Estado de ...
- Falta César Celso Ming
- O caldo volta a engrossar VINICIUS TORRES FREIRE
- Internet aberta:: Melchiades Filho
- Dirceubrás: Fernando de Barros e Silva
- Cautela suprema- Merval Pereira
- Reinaldo Azevedo-EIS AÍ, BRANQUELOS! FAÇAM BOM PRO...
- Josef Barat* -Flertando com o passado?
- RODRIGO ALVARES Petistas da Saúde temem confronto ...
- A misteriosa sacolinha brasileira de Madonna-Monic...
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Quem sabe comprar um com...
- “Metástase institucional” Denise Rothenburg
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Mensalão, raça, catarse
- Não parece. Mas Lula garante que há uma universida...
- AUGUSTO NUNES-CELSO ARNALDO DÁ UM RASANTE NA PISTA...
- Nada de novo no front petista-Lucia Hipolito
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Tudo bem, é verdade, confesso.
- Yoshiaki Nakano-A grande transformação social
- Celso Lafer-Nabuco e a governabilidade
- FERREIRA GULLAR As muitas caras de Da Vinci
- MERVAL PEREIRA O lulismo e o petismo
- SUELY CALDAS Lula, Dilma e suas diferenças...
- DANUZA LEÃO É sempre ao contrário
- GAUDÊNCIO TORQUATO O último samba de Brasília
- CELSO MING E quem regula o Estado?
- Celso Ming -Beliscada nos juros
- AUGUSTO NUNES sobre entrevista de Lula ao Estadão
- CLÓVIS ROSSI Licença para queimar a casa (a sua)
- FERNANDO DE BARROS E SILVA "A mulher do Lula"
- MERVAL PEREIRA Queda de braço
- MERVAL PEREIRA Medo da intervenção
- CELSO MING Bendita e maldita
- NELSON MOTTA Carnavais, fantasias e desastres
- FERNANDO DE BARROS E SILVA ESQUERDA FESTIVA
- LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS Todos os olhos na e...
- REINALDO AZEVEDO:
- A Serra o que é de Serra Roberto Macedo
- MERVAL PEREIRA O fim da picada
- ROLF KUNTZ Gargalos e tropeços
- DEMÉTRIO MAGNOLI Fora da lei
- ALBERTO TAMER Obama nem quer falar mais com os eur...
- CELSO MING Metamorfose
- Roberto Romano: “Segredo e censura, irmãos siameses”
- ROBERTO Da MATTA A sina da coluna: fim de festa
- Ainda os efeitos da crise bancária- Luiz Carlos Me...
- AUGUSTO NUNES-AGORA QUE O CARNAVAL PASSOU, É HORA ...
- JOSÉ NÊUMANNE Arbítrio balança o berço da impunidade
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Meirelles na manga
- CELSO MING O euro sem chão
- MERVAL PEREIRA Folia eleitoral
- O caixa automático e o especulador -VINICIUS TORRE...
- CELSO MING Decreto não muda o juro
- Classe média à vista-Wilson Figueiredo
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Os Estados Unidos saindo...
- Joseph Siglitz - Liderança, com algemas
-
▼
fevereiro
(171)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA