O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/02/10
Creio que seria otimista demais e falsearia um pouco a verdade, se dissesse que sou um idoso calouro. Faz um par de anos, a depender da jurisdição em que me encontrasse, eu era idoso ou não. Hoje sou, digamos, idoso universal, habilitado a sacar da algibeira o Estatuto do Idoso e dar carteiradas triunfais em filas de banco, bilheterias de cinema e embarques de avião. E, gradualmente, descobri que minha vida social é cada vez mais ocupada por médicos e clínicas, porque a manutenção do idoso requer atenção diuturna. Depois de algum tempo, a gente passa a funcionar na base do "se hoje é sexta, então aqui deve ser o cardiologista" e faz belas amizades entre os companheiros de destino.
Antigamente não havia tantas especialidades e muita gente se entendia com apenas um médico quase a vida inteira. Agora não, agora o sujeito vai a qualquer clínico e é imediatamente mandado a uma espécie de laboratório da Nasa, para fazer exames até em partes do corpo que nem sabia que tinha. O papo fica muito animado, em meio a relatos emocionantes de tomografias dramáticas, colonoscopias épicas, ultrassonografias arrebatadoras, ressonâncias magnéticas feéricas e dedadas diabólicas. Vínculos afetivos duradouros são com certeza formados pelas vítimas e é uma forma tão legítima de fazer amizades quanto qualquer outra.
É o que penso, chegando adiantado a uma sala de espera médica e me preparando para a demora. Dou um bom-dia meio entredentes ao único outro presente na sala, escolho uma cadeira perto das revistas, pego uma destas e começo a tentar me entreter com a narração do novo amor de uma personalidade de televisão. Lembro que, há poucas semanas, em outra sala de espera, o novo amor dela não tinha nada a ver com o atual. Coração espaçoso, o dela, ainda mais que cada novo amor é descrito como mais intenso que o anterior, coisa para toda a existência, até o próximo príncipe encantado aparecer.
Mas não chego a me inteirar dos detalhes desse amor febril, porque, ao ajeitar os óculos, ergui os olhos e o senhor à minha frente sorriu. Na dúvida sobre quem era, retribuí o sorriso e dei um "ôi, como vai?"
- Vou bem, obrigado - disse ele. - Mas o senhor não me conhece, eu é que o conheço. O senhor é escritor, escreve no jornal.
- É, eu sei, ninguém é perfeito, ha-ha.
- Eu leio sempre os seus escritos no jornal, gosto muito.
- Muito obrigado.
- Os livros eu não leio. Já tentei, mas não consegui.
- Nem eu. Só escrevi, nunca li.
- É interessante a pessoa conhecer um escritor pessoalmente. Ainda mais assim, na sala de espera de um psiquiatra. Nunca pensei em encontrar um escritor assim, na sala de um psiquiatra.
- Bem, eu não sou propriamente maluco.
- Eu sei, eu sei. São as neuras. Hoje em dia, ninguém escapa, a vida moderna é muito estressante. Mas eu pensava que o escritor dava vazão a isso em seus escritos, nunca imaginei... Eu achava que escritor, além de não trabalhar, também dava vazão as suas neuras escrevendo e botando tudo para fora. Para mim é uma surpresa.
- É, pode ser, mas eu estou aqui como o senhor está.
- O meu caso é a minha mulher. Você não imagina... Posso chamar o senhor de "você"? Obrigado. Pois é, você não imagina... Posso lhe fazer uma confidência?
- Bem, não sei, eu...
- Muito obrigado. Você já ouviu falar dessa mania que as mulheres estão agora, de posar peladas?
- Acho que li qualquer coisa.
- A minha agora entendeu de posar pelada, ela e umas amigas. Já vão contratar estúdio e fotógrafo, acho até que já contrataram.
- É para alguma revista?
- Não, não, é só porque elas acham que assim estão expressando sua liberdade, sem preconceitos, nem limitações, nem hipocrisia, nem falsos pudores e falsas vaidades. É o que ela diz.
- Mas ela está falando sério mesmo?
- Está, está!
- Ela não vai publicar essas fotos, vai?
- Acho que vai. Em revista, não sei. Mas ela já veio com uma conversa de calendário, junto com as amigas. E também um livro, se não conseguirem revista. Já têm até título para o livro. Vai se chamar "Mulheres de Verdade", todas elas peladonas, no máximo de lingerie incrementada. Bem produzidinhas, maquiladas, penteadas, mas sem retoques nas fotos e sem nada de fotoxópi, isso ela diz que é fundamental.
- Acho que entendi o projeto, não deixa de ser interessante.
- Interessante? Isso não é normal, claro que não é normal. É por isso que eu vim procurar um psiquiatra.
- Mas ele não pode tratar sua mulher através de você. Por que ela não veio com você?
- Claro que não veio, a consulta não é para ela, é para mim. Ele tem que me dar uma superbola para quando esse calendário ficar pronto e eu tiver que passar na frente da barbearia. De cara limpa eu não enfrento, essa vida moderna é muito estressante.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
fevereiro
(171)
- No afã de ‘justificar’ Cuba, Lula ‘esquece’ Honduras-
- A morte de Zapata e a omissão de Lula
- Apoiar assassinos, e não ter remorsos
- Celso Ming - Lições da austeridade
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ La amenaza de un virtual cier...
- MARIANO GRONDONA El día en que todos nombraron al ...
- Miriam Leitão Refúgio dos ricos
- Rubens Ricupero Paz perpétua
- Ferreira Gullar Pega mal
- MERVAL PEREIRA Palpite infeliz
- SERGIO FAUSTO Basta ter olhos para ver
- SUELY CALDAS Estatais? Para que?
- JANIO DE FREITAS Cuba e seus amigos
- DANUZA LEÃO O melhor dos mundos
- CLÓVIS ROSSI Ladeira acima
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Tempos modernos
- GAUDÊNCIO TORQUATO Os eixos da identidade de Dilma
- Celso Ming - O lucro do Banco do Brasil
- Merval Pereira Temores
- EDITORIAL - O GLOBO Tática de ocas
- VILAS-BÔAS CORRÊA - COISAS DA POLÍTICA Lula pisou ...
- CLÓVIS ROSSI Cuba, sonho que virou pesadelo
- MERVAL PEREIRA Temores
- MÍRIAM LEITÃO Gregos e nós
- O roteiro final do mensalão
- Reinaldo Azevedo: NOTA DE PIMENTEL É DESASTRADA.
- MÍRIAM LEITÃO Ilha presídio
- CELSO MING Reinício do aperto
- Banda turva-EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO
- JOÃO MELLÃO NETO- QUEM TEM MEDO DOS POPULISTAS?
- Duas faces-EDITORIAL de O GLOBO
- Do lado dos perpetradores - Editorial de O ESTADO ...
- "Lost" Fernando de Barros e Silva
- Os meios e as mensagens-Nelson Motta
- Acordo Brasil-Irã-Merval Pereira
- Modelo démodé Míriam Leitão
- Mexer no coração Merval Pereira
- CELSO MING Vespas sem ferrão
- FABIO GIAMBIAGI O atraso argentino
- LUIZ FELIPE LAMPREIA A casca de banana do outro la...
- ALBERTO TAMER OMC, em risco, admite: Doha acabou
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Novos cotistas
- ARNALDO JABOR RAUL CASTRO CULPA OS AMERICANOS PEL...
- Como vocês já devem saber, morreu o preso político...
- AUGUSTO NUNES
- Equívocos da banda larga Editorial de O Estado de ...
- Falta César Celso Ming
- O caldo volta a engrossar VINICIUS TORRES FREIRE
- Internet aberta:: Melchiades Filho
- Dirceubrás: Fernando de Barros e Silva
- Cautela suprema- Merval Pereira
- Reinaldo Azevedo-EIS AÍ, BRANQUELOS! FAÇAM BOM PRO...
- Josef Barat* -Flertando com o passado?
- RODRIGO ALVARES Petistas da Saúde temem confronto ...
- A misteriosa sacolinha brasileira de Madonna-Monic...
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Quem sabe comprar um com...
- “Metástase institucional” Denise Rothenburg
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Mensalão, raça, catarse
- Não parece. Mas Lula garante que há uma universida...
- AUGUSTO NUNES-CELSO ARNALDO DÁ UM RASANTE NA PISTA...
- Nada de novo no front petista-Lucia Hipolito
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Tudo bem, é verdade, confesso.
- Yoshiaki Nakano-A grande transformação social
- Celso Lafer-Nabuco e a governabilidade
- FERREIRA GULLAR As muitas caras de Da Vinci
- MERVAL PEREIRA O lulismo e o petismo
- SUELY CALDAS Lula, Dilma e suas diferenças...
- DANUZA LEÃO É sempre ao contrário
- GAUDÊNCIO TORQUATO O último samba de Brasília
- CELSO MING E quem regula o Estado?
- Celso Ming -Beliscada nos juros
- AUGUSTO NUNES sobre entrevista de Lula ao Estadão
- CLÓVIS ROSSI Licença para queimar a casa (a sua)
- FERNANDO DE BARROS E SILVA "A mulher do Lula"
- MERVAL PEREIRA Queda de braço
- MERVAL PEREIRA Medo da intervenção
- CELSO MING Bendita e maldita
- NELSON MOTTA Carnavais, fantasias e desastres
- FERNANDO DE BARROS E SILVA ESQUERDA FESTIVA
- LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS Todos os olhos na e...
- REINALDO AZEVEDO:
- A Serra o que é de Serra Roberto Macedo
- MERVAL PEREIRA O fim da picada
- ROLF KUNTZ Gargalos e tropeços
- DEMÉTRIO MAGNOLI Fora da lei
- ALBERTO TAMER Obama nem quer falar mais com os eur...
- CELSO MING Metamorfose
- Roberto Romano: “Segredo e censura, irmãos siameses”
- ROBERTO Da MATTA A sina da coluna: fim de festa
- Ainda os efeitos da crise bancária- Luiz Carlos Me...
- AUGUSTO NUNES-AGORA QUE O CARNAVAL PASSOU, É HORA ...
- JOSÉ NÊUMANNE Arbítrio balança o berço da impunidade
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Meirelles na manga
- CELSO MING O euro sem chão
- MERVAL PEREIRA Folia eleitoral
- O caixa automático e o especulador -VINICIUS TORRE...
- CELSO MING Decreto não muda o juro
- Classe média à vista-Wilson Figueiredo
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Os Estados Unidos saindo...
- Joseph Siglitz - Liderança, com algemas
-
▼
fevereiro
(171)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA