O GLOBO
O fato de o chanceler Celso Amorim ter oferecido a uma plateia internacional reunida em Paris o exemplo da colaboração entre Argentina e Brasil nos anos 80 e 90 como maneira de estimular o desarmamento nuclear tem importância política dupla.
Primeiro, porque há setores dentro do governo que avaliam como um erro a política que nasceu dessa parceria, que desaguou na assinatura pelo Brasil do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1997, no primeiro governo de Fernando Henrique
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, há até pouco tempo o segundo homem do Itamaraty, e hoje ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, considera que o Brasil usou o pretexto de uma aliança estratégica com a Argentina para aderir a todas as iniciativas americanas, especialmente na área militar.
Já na campanha presidencial de 2002, Lula provocou grande polêmica quando criticou a adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, e teve que voltar atrás.
O tratado vigora desde 1970, veta pesquisas para a produção de bombas atômicas, e foi assinado por 187 dos 190 países da ONU, mas ratificado por menos da metade.
Mais relevante ainda, a posição do chanceler brasileiro mostra que o Brasil, às vésperas da revisão do TNP, em maio, reforça sua posição a favor da utilização pacífica da energia nuclear.
Essa postura também o compromete, na intermediação com o Irã, a encaminhar as conversações no sentido de incluir seu programa sob observação e supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
O Irã foi um dos primeiros a assinar o tratado, ao tempo do governo do xá Reza Pahlevi, mas, a partir da Revolução Islâmica, em 1979, passou a descumprilo e a ser alvo de pressões internacionais.
O chanceler Celso Amorim teve um encontro na semana passada, durante o Fórum Econômico Mundial, com o ministro das Relações Exteriores do Irã, no mesmo dia em que o governo de Mahmoud Ahmadinejad fuzilava dois oposicionistas que participaram dos protestos contra sua eleição, protestos que o presidente Lula minimizou na ocasião, comparando a uma briga entre torcedores de times diferentes.
O governo brasileiro insiste em que está conversando com o Irã para tentar uma saída negociada, mas o apoio ao governo de Ahmadinejad retira do Irã o peso do isolamento.
A disposição do Irã, anunciada ontem, de aceitar enriquecer seu urânio fora do país, como propôs a AIEA, pode ser um primeiro passo para um acordo.
Ressaltar o desarmamento neste momento é importante, porque ele é um dos sustentáculos do TNP, e foi superado na prática por programas nucleares de Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte.
Recentemente, o presidente Lula disse que os Estados Unidos e a Rússia só teriam moral para pedir que o Irã abdicasse de seu programa nuclear se também se desarmassem.
Com o fim da Guerra Fria, Estados Unidos e Rússia abriram negociação para a redução do arsenal nuclear e, há dez anos, na Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), houve acordo sobre medidas de desarmamento nuclear pelas potências atômicas.
Os ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 fizeram com que o assunto sofresse um retrocesso. O presidente Barack Obama retomou o tema no início de seu governo, defendendo um mundo sem armas nucleares.
Na reunião em Paris da Global Zero, ONG que defende a eliminação progressiva e controlada dos arsenais nucleares, Amorim disse que a decisão de Brasil e Argentina criarem agências nucleares bilaterais que trabalhavam com a AIEA pode "servir de inspiração para outros países".
O Brasil sempre foi a favor do desarmamento nuclear, e incluímos na Constituição de 1988 que o país não terá armas nucleares. Mas, como um dos poucos países do mundo a controlar o ciclo completo do combustível nuclear, o país não está disposto a assinar cláusulas adicionais ao TNP, como querem os Estados Unidos.
Poucos países dominam a técnica de enriquecer urânio: EUA, Rússia, China, França, Alemanha, Holanda e Inglaterra, além do Brasil.
A proposta de um banco internacional de urânio enriquecido, que seria utilizado por países com problemas tão distintos quanto o Irã e Brasil, não é aceita pelo governo brasileiro, que considera que todos os compromissos internacionais já foram assumidos.
Já tivemos problemas com a Agência Internacional de Energia Atômica, que, anos atrás, já no governo Lula, quis impor novas regras para a inspeção em Resende, uma fábrica semi-industrial que em alguns anos, deve produzir o urânio necessário para o funcionamento das usinas de Angra.
O plano, já anunciado, de construir mais oito usinas nucleares vai aumentar a necessidade de produção de urânio enriquecido.
As instalações de Aramar hoje estão sob salvaguarda da AIEA, e as de Resende estão sendo negociadas.
Lá se utiliza uma centrífuga especial para enriquecimento de urânio, que o governo brasileiro protege por ser uma técnica pioneira.
A inspeção internacional é feita através de amostragem do urânio que entra na fábrica e sai, sem que os inspetores possam ver a centrífuga.
O Brasil tema sexta maior reserva de urânio do mundo, e quer participar do mercado internacional de urânio enriquecido, que é muito rentável.
E incluiu recentemente no Plano Nacional de Defesa a decisão de dominar o conhecimento e a tecnologia nucleares, como parte de seu programa de desenvolvimento estratégico
Entrevista:O Estado inteligente
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