FOLHA DE S. PAULO
Em dezembro último, o poder de compra das exportações brasileiras voltou ao seu ponto mais alto
Vou tentar fugir um pouco do dia a dia da conjuntura econômica e olhar para o Brasil do futuro. Esse exercício não é fácil quando o Velho Mundo parece estar ruindo sob o peso do custo fiscal que a crise econômica deixou como herança. Enquanto escrevo esta coluna, o euro está sob forte pressão dos especuladores nos mercados de câmbio, e as Bolsas mundiais desabam com a volta do pânico aos mercados. O motivo para essa mudança em relação à orgulhosa moeda europeia -e considerada por muitos como uma opção ao dólar- é a crise de credibilidade que atinge alguns países periféricos do espaço comum europeu por conta de sua situação fiscal.
São economias com um deficit enorme nas contas públicas, fruto da recessão e da crise bancária em que vivem, que levou a um aumento significativo da dívida pública. Os operadores financeiros chamam esses elos fracos da sólida Europa -Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha- de Pigs. Alguns falam de Piigs, na medida em que incluem também a Itália, mas isso é claramente um exagero.
Desde a entrada na União Europeia dessas economias menos sólidas, discutia-se a possibilidade de uma crise como a que se vive hoje. Vários analistas chamavam a atenção para a rigidez das regras monetárias do espaço do euro em caso de uma conjuntura econômica desfavorável nos países mais frágeis. Mas prevaleceu a decisão dos principais lideres políticos e todos entraram.
Pois esse momento chegou com a situação criada pelo gasto brutal para a salvação do sistema bancário nesses países. Mas a reflexão que quero fazer hoje nada tem a ver com esse drama da velha Europa. Pelo contrário, quero tratar de um fato extremamente positivo que está ocorrendo no Brasil.
Em dezembro último, o poder de compra das exportações brasileiras voltou ao seu ponto mais alto, depois da queda que se seguiu à crise do ano passado. Os economistas chamam de relação de termos de troca do comércio exterior a essa comparação entre o preço médio de nossas exportações e o das nossas importações. Quando os termos de troca aumentam, cria-se um canal importante de geração de renda na sociedade, como aconteceu a partir de 2005/2007 no Brasil.
A partir do crescimento das importações chinesas, iniciou-se um processo de mudanças em nossas contas externas em razão, principalmente, da valorização de nossas exportações de produtos primários. Com os saldos comerciais crescentes a partir de 2002, o Brasil passou a ser um país com elevadas reservas externas e uma capacidade de importação que não tinha no passado.
Reafirmo, mais uma vez, que foi esse fortalecimento externo que abriu caminho para as mudanças que nos levaram à economia de hoje no Brasil.
Por isso, foi com certa preocupação que recebi a queda de nossos termos de troca no período que se seguiu à crise bancária e financeira em 2008. A equipe de economistas da Quest calcula mensalmente essa relação, e, no início de 2009, ela voltara aos níveis de antes do boom das commodities. Certamente isso teria efeitos negativos sobre nossa balança comercial e nossa dinâmica de crescimento.
Mas em dezembro passado nossos termos de troca voltaram aos níveis que prevaleciam antes da crise. Essa recuperação está certamente relacionada à volta do crescimento econômico de dois dígitos na China. Talvez essa seja uma das âncoras mais importantes para proteger a economia brasileira das turbulências que voltaram ao mundo desenvolvido.
Entrevista:O Estado inteligente
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