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quarta-feira, novembro 12, 2008

Rumo ao arbítrio


Editorial de O Globo - 12/11/2008

Há uma crescente irritação de ministros do Supremo Tribunal com decisões de juízes de primeira instância, a quem acusam de desrespeitar direitos individuais inscritos na Constituição, em nome de uma cruzada movida contra a corrupção. O conflito ficou mais visível no choque entre o juiz Fausto De Sanctis e o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, na decretação sucessiva, por duas vezes, da prisão do banqueiro Daniel Dantas, decisão cassada pelo ministro liminarmente. Há pouco, o mérito daqueles habeas corpus foi aprovado pelo plenário da Corte, em meio a duras críticas a De Sanctis, acusado de desrespeitar o STF.


O caso é mais sério do que uma simples infração disciplinar. Trata-se de algo que vai muito além disso, como já transpareceu em entrevistas e artigos do juiz. Segunda-feira, em palestra no Rio, o magistrado explicitou a fundamentação dessa cruzada de tinturas messiânicas que ele parece mover contra supostos criminosos do colarinho branco. Para o magistrado, a Constituição "deve ser mutável por natureza", e, como a realidade é mutante, é ela que deve condicionar a interpretação da Carta e das leis. Ora, imutabilidade da Carta - daí as barreiras criadas, aqui e em qualquer país, para preservá-la ao máximo - é que sustenta a segurança jurídica, base da estabilidade política, social e econômica. Se for concedido a qualquer juiz o poder de aplicar a Constituição e as leis em função do que ele entenda ser a "realidade", será instituído o estado de absoluto arbítrio. Porém, maquiavelicamente, de tinturas legais. Entende-se, então, por que o juiz De Sanctis considera "naturais" os métodos de escuta eletrônica, invasivos da privacidade, no combate a crimes de colarinho branco. De fato, mas desde que os pedidos para o uso dessas ferramentas sejam bem fundamentados e aprovados, ou não, de maneira criteriosa. Não é o que costuma acontecer.

Outro entendimento exótico do juiz De Sanctis é que na luta contra esses crimes o ônus da prova deve caber ao acusado. Ora, assim, bastará a polícia acusar para o denunciado ter de provar que não é culpado. Inverte-se a lógica dos processos e adota-se a prática de toda ditadura, que nunca precisa justificar a culpa de suas vítimas. O mais grave é que este pensamento parece fazer parte de uma visão ideológica compartilhada por outros agentes públicos, na PF e no Ministério Público. É preciso impedir que surja a "Justiça de Exceção", uma contradição em termos, mas que começa a ser aplicada em nome da "salvação" do país. A História está repleta de crises sérias patrocinadas por salvadores da pátria.

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