A Câmara dos Deputados passou o ano todo indo, voltando, virando e mexendo no projeto de emenda constitucional que altera o rito de tramitação das medidas provisórias. Embromando, seria o termo mais exato.
Na semana passada o presidente do Senado, Garibaldi Alves, deu um susto geral devolvendo de forma unilateral a MP de anistia às entidades filantrópicas. Na terça-feira o Parlamento resolveu simular uma providência aprovando uma emenda que, na essência, não muda coisa alguma.
Ou, por outra, piora o que já estava ruim: conserva o poder de interdição da pauta do Legislativo nas mãos do Executivo, cria uma zona franca para o pedido de créditos suplementares e ainda livra o Congresso da responsabilidade constitucional de examinar os preceitos de relevância e urgência das MPs.
Hoje, uma medida provisória passa na frente de todos os outros projetos 46 dias depois de editada e paralisa a agenda até ser aprovada ou rejeitada. Pela nova regra, uma MP ganha prioridade no 16º dia de edição, mas pode perder essa condição se a maioria absoluta dos parlamentares (257 deputados ou 41 senadores) concordarem em inverter a ordem dos assuntos em pauta.
Em tese, o Congresso recupera a iniciativa e o poder sobre o andamento dos trabalhos. Na prática, fica tudo como está. O Executivo continua dono da chuva e do sol dentro do Parlamento.
Tendo a maioria e sendo ela ora subserviente ora fisiológica, de duas, uma: ou o governo sempre conseguirá mobilizar naturalmente sua base para impedir a inversão da pauta ou fará isso movimentando mais instrumentos de negociação caso a caso para assegurar a fidelidade da tropa.
Se o objetivo do Legislativo era reequilibrar a correlação de forças com o Executivo, o texto aprovado pela Câmara não dá motivo para comemoração. O Planalto ganhou mais uma vez.
Pode ser que venha a perder quando a emenda for a exame no Senado, onde a maioria governista é mais estreita e menos cordata. Mas, por enquanto está em vantagem.
No início, jogou duro contra qualquer mudança. A Casa Civil chegou a mandar uma proposta aumentando a validade de uma MP de 120 para 240 dias. Provocação pura.
Alertado para a necessidade de falar sério se não quisesse assistir a uma reforma para valer, o governo aceitou dar prosseguimento ao assunto, mantendo, porém, o trancamento da pauta como ponto de honra. Cláusula pétrea.
Pelo seguinte: se as medidas provisórias de alguma forma não paralisassem a pauta de votações não poderiam mais ser aprovadas em bloco e por acordo como ocorre atualmente. Nesse caso, o Executivo seria obrigado a tratar de cada medida em separado negociando a entrada na pauta e a aprovação do mérito.
Ou, então, diminuir o número de medidas provisórias. Como isso estava fora de cogitação, criou-se o inócuo atalho.
Essa é a parte, digamos, boa da história. A ruim impõe dois retrocessos: abre uma brecha para o pedido de créditos suplementares por meio de medida provisória para fugir das sentenças de inconstitucionalidade dadas pelo Supremo Tribunal Federal e extingue a exigência do exame de admissibilidade das MPs por uma comissão especial com poder de devolvê-las.
A comissão nunca se reúne, mas a prerrogativa de fazê-lo está lá, lembrando ao Congresso que ele não cumpre suas obrigações. Agora as medidas precisam de um parecer da Comissão de Constituição e Justiça que, seja qual for, não impede o curso da MP até o plenário.
Quer dizer, para o Executivo a situação é a mesma e para o Legislativo ficou bem mais confortável.
Honra da firma
O clima no governo não corresponde ao otimismo exibido depois da reunião ministerial de segunda-feira, da qual resultou uma "determinação" do presidente Lula para que os ministérios gastassem o dinheiro em caixa a fim de combater preventivamente os efeitos da crise econômica mundial.
A atmosfera tampouco é de pessimismo. Prepondera, na realidade, a incerteza. Ninguém sabe o que vem por aí em 2009. Por via das dúvidas, a ordem geral é manter o moral da tropa nacional elevado enquanto não se desenham com exatidão as conseqüências internas da crise externa.
O objetivo do encontro foi puramente virtual. Até porque os investimentos em questão não dependem da palavra do presidente. Quem não gastou recursos previstos no Orçamento (menos da metade até novembro) não o fez por falta de "autorização" de Lula, mas por insuficiência de desempenho.
É inócuo também o incentivo governamental ao consumo porque no cotidiano ninguém organiza as respectivas despesas conforme orientação do Palácio do Planalto.
Na política, contudo, o otimismo serve como antídoto ao baixo-astral que, como bem sabe o PT, quando se alastra pelo ambiente tende a desgastar o governo e favorecer a oposição.
E, se o ambiente é de mandato em reta final, com mais velocidade as más profecias se tornam o motor de sua própria realização.