Para o governo russo, um envolvimento maior com o Brasil e com outros países da região é uma forma de reafirmar sua influência internacional. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, negociou grandes compras de armas e abriu as águas territoriais de seu país a navios da esquadra russa, propiciando ao primeiro-ministro Vladimir Putin a oportunidade para uma exibição militar no Caribe, isto é, na vizinhança dos Estados Unidos. Da perspectiva de Moscou, o Brasil, maior economia da região, é uma peça interessante para esse jogo, isto é, para seu esforço de reconquista do status de grande potência.
No plano diplomático, a contrapartida oferecida ao Brasil é muito menos tangível. O governo russo apóia formalmente a pretensão brasileira de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, se esse conselho for ampliado. Nessa troca, a Rússia recebe à vista, ampliando sua presença na região, e pagará a prazo - se tiver de pagar, porque isso dependerá da reforma da ONU.
O comunicado conjunto e os atos assinados durante a visita do presidente Medvedev são recheados de retórica, ricos de possibilidades para a Rússia e pobres de compromissos de real interesse para o Brasil. A Rússia aparece, nos dois documentos, como o país tecnologicamente desenvolvido e em condições de atender às necessidades de um parceiro dependente. Ao mencionar o fornecimento de máquinas para as centrais elétricas, o presidente Lula parece haver esquecido a experiência do Brasil como fabricante e exportador de equipamentos para grandes centrais. Se houver concorrência, será razoável admitir a participação da Rússia e de outros países, mas o presidente não parece haver pensado nesses detalhes.
Essa visita confirmou as diferenças entre as perspectivas políticas do governo russo e do brasileiro. Para a Rússia, o Brasil é um parceiro comercial significativo, mas é também, neste momento, um quadrado no tabuleiro geopolítico. O governo russo obviamente não leva a sério a idéia de uma aliança entre emergentes, a não ser para o objetivo de retornar à Primeira Divisão da política internacional.
O presidente Lula e seus estrategistas continuam, no entanto, agindo com uma concepção diplomática de tipo sindicalista. A primeira cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), prevista para 2009 em Moscou, tem com certeza significados muito diferentes para cada um dos governos envolvidos. Para russos, indianos e chineses, qualquer articulação entre os quatro só tem valor como instrumento de interesses nacionais. Só o governo do presidente Lula insiste em confundir os objetivos brasileiros com os interesses de grupos de países.
O presidente russo veio à América do Sul para participar, no Peru, da conferência do grupo de Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec). Em seguida esticou a viagem programada para incluir também Venezuela e Cuba. Medvedev tem idéias claras e nada românticas a respeito dos objetivos de seu país na região. O governo brasileiro não demonstra a mesma capacidade, quando se trata de avaliar os interesses nacionais em relação à Rússia, à China, à Índia e aos parceiros da América Latina. Se tivesse, não teria colecionado desaforos de bolivianos, equatorianos, venezuelanos, cubanos e argentinos, sempre prontos para cobrar algo do Brasil e nunca dispostos a submeter os interesses nacionais aos de uma comunidade imaginária de países.