O Globo
NOVA YORK. Num momento de crise financeira internacional, não é a escolha do secretário de Tesouro que está causando mais polêmica na estruturação do futuro governo de Barack Obama, mas sim o de secretário de Estado, não apenas por sua importância intrínseca, mas, sobretudo, pelo nome escolhido, o da senadora Hillary Clinton. Há especulações para todos os gostos sobre a adequação do convite, e foi assim também quando ela esteve cotada para ser a companheira de chapa de Obama, depois da vitória dele nas primárias. Tudo indica que Hillary não foi escolhida para ser a vice mas está sendo convidada para o cargo mais importante do ministério por um detalhe fundamental: sendo nomeada secretária de Estado, ela pode ser demitida pelo presidente, o que não ocorreria caso tivesse sido eleita na mesma chapa democrata.
E esse também é o ponto mais delicado de seu processo decisório, pois ela teria que renunciar a seu cargo no Senado, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde um ministro pode reassumir seu mandato se sair do Ministério.
O processo de escolha também está sendo delicado por implicar uma série de restrições às atividades do ex-presidente Bill Clinton, que tem uma agenda internacional abarrotada de palestras nos mais distintos cantos do mundo.
Há dois problemas aí: um, o potencial conflito de interesses entre a função de sua mulher no governo e os fundos que recebe de governos estrangeiros.
O outro tem a ver com seus pronunciamentos sobre questões internacionais, que podem eventualmente constranger a futura secretária de Estado, quando não simplesmente serem entendidos como uma posição oficial do governo Obama.
Já aconteceu durante as primárias, quando a então candidata Hillary Clinton se pronunciou contra a ação do governo chinês contra os manifestantes que defendiam o Tibet enquanto seu marido recebia altas somas de dinheiro por palestras pagas por uma firma ligada à censura aos manifestantes, segundo denunciou na ocasião o jornal "Los Angeles Times".
A fundação de Clinton recebe doações de governos como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Marrocos e Kuwait, todos países que, de uma maneira ou de outra, estarão envolvidos na política de Oriente Médio que será conduzida por Hillary Clinton à frente da Secretaria de Estado.
O e m b a r a ç o p o d e s e r maior, sobretudo porque a influência de Clinton na formação do futuro governo democrata está cada vez mais evidente.
Larry Summers continua um dos mais cotados para a Secretaria do Tesouro, e, ontem, os rumores eram de que mais um antigo membro de sua equipe deve ser convocado por Barack Obama.
O atual chefe do Escritório de Orçamento do Congresso, Peter Orszag, deve ser o diretor do Escritório da Casa Branca de Gerenciamento e Orçamento. Orszag trabalhou como economista na equipe de Clinton na Casa Branca.
Os primeiros escolhidos para o futuro governo Obama saíram também do grupo de políticos que já trabalhou com o presidente Clinton, como o chefe do gabinete de transição, John Podesta, que foi chefe de gabinete do presidente.
Para a mesma função, o presidente eleito já escolheu o deputado Rahm Emanuel, que foi conselheiro de Clinton na Casa Branca de 1993 a 1998.
Emanuel tem proximidade com a senadora Hillary Clinton, com quem trabalhou na tentativa de implantar um sistema de saúde universal no país. Devido aos seus laços com Israel, ele poderá ter também papel importante caso Hillary seja mesmo confirmada como secretária de Estado, pois uma das tarefas mais importantes será a negociação para um estado palestino.
Ele já tivera, no governo Clinton, participação na assinatura do acordo entre a Organização para Libertação da Palestina e Israel em 1993, entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, nos jardins da Casa Branca.
As indicações de que Hillary está mesmo interessada no posto são muitas, a começar pela disposição declarada do ex-presidente de até mesmo abrir mão de contratos com governos estrangeiros para facilitar a nomeação.
O processo de escolha passa, neste momento, por uma ampla análise de advogados do grupo de transição para detectar eventuais problemas e como superá-los.
Quem está à frente desse processo é o próprio Podesta, o que indica que não haverá constrangimentos para seu antigo chefe.
O ex-presidente, por sua vez, contratou uma equipe de advogados que está negociando com o time da futura administração, e tudo indica que se chegará a um acordo ainda na próxima semana.
O fato de Obama não ter problemas para escolher nomes ligados à administração Clinton para formar seu governo mostra que ele está dando prioridade à experiência, tentando aproveitar as lições do último governo democrata bem sucedido.
As questões políticas que estão sendo levantadas parecem superadas, já que o processo de escolha não atingiria estágio tão avançado se as questões preliminares não estivessem resolvidas.
A maior parte dos que opinam sobre o caso reconhece que a senadora Hillary Clinton tem todas as condições para ser uma secretária de Estado com força política maior do que a atual, Condoleezza Rice, e até mesmo que Colin Powell, que tinha a rejeição de um grupo forte dentro da Casa Branca de Bush, a começar pelo vice-presidente Dick Cheney.
Além de Hillary ter luz própria, o casal Clinton tem relações pessoais com o vice-presidente eleito, Joe Biden, que é um especialista em política externa.
Esta é a dupla dos sonhos do Partido Democrata. A dúvida que fica é se o entendimento entre os dois, depois de uma disputa tão acirrada nas primárias democratas, está realmente solidificado a ponto de não haver dúvidas de que a secretária de Estado Hillary Clinton falará em nome do presidente Barack Obama
Entrevista:O Estado inteligente
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