"Os mercados ainda estão na UTI, não é hora de desentubar o paciente". A declaração é de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, sobre a crise externa. "Essa é a pior crise que veremos. Os principais sistemas financeiros do mundo estão praticamente sendo estatizados, haverá outras rodadas de capitalizações. Os tempos são dificílimos". No Brasil, os dados do BC tranqüilizam.
Ontem, o Fed anunciou um pacote para fazer fluir o crédito que está completamente parado. Aqui no Brasil, os dados divulgados pelo Banco Central mostram um crédito fluindo normalmente, como se não houvesse crise em outubro; como se as empresas e pessoas não estivessem ouvindo seguidos nãos dos bancos. Misteriosamente, os dados são de que o crescimento do volume de crédito atingiu, pela primeira vez na história, o nível de 40% do PIB. O recuo que houve foi um leve 2,3% de queda no crédito para compra de veículos, em comparação com setembro. O crédito às empresas cresceu 46% em relação ao mesmo mês de 2007 e à pessoa física cresceu 28,4%. E mesmo com crédito, o BC mexeu no compulsório para liberar mais recursos ao BNDES.
O diretor do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, acha que os dados que divulgou mostram que houve um problema no começo de outubro, mas foi contornado.
– Houve uma queda do crédito no começo do mês, mas o ritmo foi normalizado ao longo de outubro pelas medidas tomadas pelo BC.
Nos dados da área externa, divulgados na segunda-feira, têm alguns sinais da crise, mas já melhorando: o financiamento à exportação, ou seja, os ACCs, caíram de uma média diária de US$ 239 milhões em setembro para US$ 135 milhões em outubro, mas em novembro já está subindo, para US$ 160 milhões. Houve saída forte de capital: US$ 6 bilhões em ações, mas em novembro, até agora, caiu para US$ 880 milhões. Na renda fixa, foi de US$ 1,7 bilhão para US$ 604 milhões. Os dados não combinam com as declarações dos empresários e o que eles relatam de suas relações com o sistema bancário.
No mundo, os sinais dados pelas autoridades são de preocupação crescente. Já houve crises no mundo, mas nada parecido com essa, quando a destruição de riqueza se mede em trilhões, uma cifra que parecia teórica até outro dia.
– A crise está espalhando a desaceleração pelo mundo afora. Está tudo sincronizado. Este é, definitivamente, o fim da festa financeira e um processo de desalavancagem geral. O medo que eu tenho é que o governo brasileiro queira defender o crescimento de 4% a qualquer custo, porque isso será pago por aumento do déficit externo ou mais inflação – diz Armínio Fraga.
Armínio acha que se o Brasil crescer 3% no ano que vem será um excelente cenário, e, mesmo assim, porque haverá um crescimento estatístico de 1%. A única esperança que ele tem de um crescimento maior é por causa da desvalorização cambial, apesar de estar ocorrendo ao mesmo tempo em que o preço das commodities que o Brasil exporta está em queda.
Cada vez que há uma calmaria, alguém aposta que já se chegou ao fundo do poço. Melhor faz o presidente eleito Barack Obama, que avisa sempre que "tudo vai piorar antes de melhorar". Ontem, o presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, disse que não estão descartadas novas rodadas de estatização de bancos no Reino Unido. "Temos que fazer com que o setor bancário empreste".
Semana passada, o secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, disse que o plano dele tinha estabilizado os mercados. Ele não deveria dizer isso. Nunca. Passou o fim de semana na megaoperação de resgate ao Citigroup. O Citi era feliz e não sabia quando o ativo de risco que ele tinha em carteira era a dívida brasileira. Nós renegociamos e pagamos, naqueles terríveis anos 80.
Para o economista Dionísio Carneiro, Barack Obama tem um duro governo pela frente. Ele acha que Obama não terá apenas um ou dois anos ruins, mas que serão três ou quatro anos "limpando as conseqüências da crise", que ele atribui ao erro do governo Bush de ter freado todo o processo de re-regulação do mercado financeiro que estava sendo posto em prática por órgãos como a SEC. E também pelo nível de gasto público crescente do governo Bush, incompatível com a arrecadação. A saída terá de ser, segundo Dionísio, aumentar gastos públicos, desde que não seja de forma permanente.
– O fluxo vai salvar a economia, mas o estoque não pode comprometer a recuperação.
Ou seja, políticas que elevem os gastos agora, e realimentem as despesas no futuro, aumentam muito o estoque da dívida, o tamanho do déficit e produzem agravamento da crise de confiança, em vez de recuperação.
– A ajuda a banco tem que ser um gasto que não se perpetue. Se o governo americano criar para si uma fonte de gastos permanentes com os ativos podres, se todos os ativos forem micos e o governo pagar o custo, isso vai dobrar a dívida como proporção do PIB.
Ontem, ao apresentar o novo chefe do Orçamento, Peter Orszag, Obama explicou que o aumento dos gastos que pretende fazer para manter a economia andando será no curto prazo, mas que a médio e longo prazo ele quer um plano de redução do déficit público, para não onerar as novas gerações.
Com Leonardo Zanelli