O Itamaraty retoma o controle da diplomacia com os
países da América do Sul e endurece com o Equador
Otávio Cabral
Fotos Eraldo Peres/AP e Fabio Pozzebom/ABR |
NOVOS ARES Lula tirou poder de Marco Aurélio (à dir.), que defendia o apoio incondicional a populistas como o equatoriano Correa |
Contendas diplomáticas entre nações amigas são comuns, e o Brasil e seus vizinhos da América do Sul não estão imunes a elas. No governo Lula, porém, aliado incondicional do populismo desbragado que viceja no continente, esses atritos estão se tornando, paradoxalmente, muito freqüentes. Há dois anos, o presidente boliviano Evo Morales produziu uma confusão de bom tamanho ao expropriar refinarias da Petrobras. O venezuelano Hugo Chávez vive insuflando seus aliados para agir da mesma forma contra outras empresas brasileiras. O novo governo paraguaio quer rever o contrato da hidrelétrica de Itaipu e já anunciou que pretende confiscar terras de brasileiros no país. Diante de tantas fanfarronices, o presidente equatoriano Rafael Correa deu sua contribuição e anunciou festivamente que estava pendurando uma dívida de 250 milhões de dólares. Esperava contar com a mesma condescendência dispensada pelo governo brasileiro aos colegas bolivarianos. Não foi o que aconteceu. Numa ação inusitada, o Itamaraty convocou o embaixador em Quito, anunciou o fim das parcerias em obras de infra-estrutura e ameaçou recorrer a organismos internacionais para cobrar a dívida. Rafael Correa recuou.
A guinada de comportamento é resultado da substituição do alinhamento ideológico pela diplomacia e coincide com a saída de cena de Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais do presidente Lula. Até a crise recente com o Equador, Garcia era responsável pelas negociações políticas e comerciais com os países sul-americanos. Sob seus desígnios, o Brasil passou a apoiar politicamente os chamados candidatos nacionalistas, teoricamente alinhados com o PT. O governo brasileiro agiu abertamente para eleger Evo Morales na Bolívia, Fernando Lugo no Paraguai e Rafael Correa no Equador. Marco Aurélio era quem dava a última palavra nas decisões diplomáticas que envolviam os vizinhos. "A mistura de diplomacia com política partidária trouxe sérios problemas para o Brasil. Lula demorou demais para perceber isso e tirar Marco Aurélio da linha de frente diplomática", afirma um diplomata com trânsito no gabinete presidencial. Agora, ele atua apenas como conselheiro de Lula. O embaixador Enio Cordeiro, subsecretário-geral do Itamaraty para a América do Sul, é o novo responsável pelo trabalho diplomático de tentar manter a harmonia no continente. Ele foi orientado a fazer isso independentemente de alinhamentos ideológicos e preferências políticas.
Antony Njuguna/Reuters |
ISONOMIA |
As mudanças já produziram resultados visíveis. Além da vitória da diplomacia no salseiro com o Equador, outro sinal dos novos ares que sopram no Itamaraty é a reaproximação de Lula com o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, e o do Peru, Alan García. Eles eram evitados na era Marco Aurélio, que não escondia sua simpatia pelos terroristas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e pelo oposicionista peruano Ollanta Humala. A nova orientação do governo é para que os vizinhos bolivarianos sejam tratados comercialmente como qualquer outro país. A regra vale também para os países africanos, aos quais o governo pretendia ampliar seu raio de influência. Recentemente, o presidente da Tanzânia, Jakaya Kikwete, anunciou a suspensão do pagamento da dívida externa com o Brasil. O Itamaraty ameaçou retaliar e ele anulou a decisão. Kikwete, então, solicitou o perdão da dívida. O pedido foi negado pelo Ministério da Fazenda. Espera-se que a reação enérgica que o Itamaraty teve com a Tanzânia e o Equador sirva de alerta para outros líderes intempestivos que ameaçam os interesses do país. Se continuar tomando atitudes firmes, o Brasil dará uma imensa contribuição para evitar que os seguidores de Hugo Chávez consigam transformar a América do Sul numa região sem lei.