Atentados simultâneos em Mumbai, a capital financeira da Índia, colocam o país no mapa da guerra santa islâmica mundial
Thomaz Favaron
Fotos Toby Talbot/AP e National Archives |
A CASA DO HORROR O hotel Taj Mahal, em Mumbai, tomado pelos terroristas: andares incendiados e hóspedes assassinados na beira da piscina |
Mesmo para uma cidade e um país com um trágico histórico de violência terrorista, a audácia do ataque foi extraordinária. Na noite de quarta-feira, depois de chegar à praia em botes, um grupo de vinte ou trinta terroristas espalhou-se pela área turística de Mumbai num frenesi de massacres em pontos diferentes da cidade, que abriga a bolsa de valores e simboliza a atual prosperidade da Índia. No principal terminal ferroviário, um imponente prédio construído pelos ingleses no século XIX, pelo qual transitam 3,3 milhões de passageiros por dia, os terroristas dispararam indiscriminadamente e lançaram granadas contra a multidão. A carnificina repetiu-se no Café Leopold, restaurante preferido pelos turistas e que já foi cenário de filmes. Um cinema e dois hospitais foram atacados da mesma maneira. Um carro-bomba explodiu na rodovia que dá acesso ao aeroporto. Por fim, os terroristas se entrincheiraram em três locais: os hotéis Taj Mahal e Oberoi-Trident, os mais luxuosos da cidade, e em um centro religioso judaico localizado em uma galeria comercial, fazendo centenas de reféns. Na sexta-feira à noite, quando a polícia ainda combatia para eliminar o último foco terrorista no Taj Mahal, o saldo da batalha estava próximo de 200 mortos e 400 feridos.
A mensagem mais clara deixada pelo ataque é assustadora: o terrorismo na Índia assumiu uma nova fase, a do estilo Osama bin Laden. Esses atentados têm a característica de ser cometidos por militantes islâmicos bem treinados, dispostos a morrer, e o objetivo de causar a maior quantidade possível de vítimas civis. Os atacantes de Mumbai nem sequer apresentaram uma reivindicação que pudesse ser negociada pela polícia em troca da libertação de reféns. Um dos hóspedes que conseguiu escapar do hotel Taj Mahal contou que os terroristas estavam procurando pessoas com passaporte americano ou britânico e também os judeus. Feitas as contas dos últimos quinze anos, em média morreram 3 700 pessoas por ano em ataques terroristas na Índia. Eles são cometidos na maioria por grupos separatistas, que querem incorporar ao Paquistão uma região do norte indiano, a Caxemira, cuja população é majoritariamente muçulmana. Em menor número, organizações de extrema esquerda, como os maoístas, também promovem matanças. Mumbai sofreu três ataques devastadores, em 1993, 2003 e 2006. Neste último, bombas colocadas em trens deixaram 187 mortos.
Os atentados anteriores tinham como objetivo criar tensões entre as comunidades hinduísta e muçulmana. Os da semana passada querem colocar a Índia na luta contra os "cruzados" (Ocidente) e os sionistas (israelenses). Seus autores parecem ser membros de uma brigada internacional, do tipo que o terrorismo islâmico costuma arregimentar. Na mochila deixada para trás por um terrorista que escapou, a polícia encontrou uma carteira de identidade das Ilhas Maurício, granadas chinesas, sete carregadores e mais 400 projéteis para AK-47, sete cartões de crédito, rações e 1 200 dólares. A sofisticação da operação (os terroristas conheciam perfeitamente a planta dos hotéis atacados), a qualidade do armamento e a precisão como este foi usado revelam uma equipe bem treinada. O ataque direcionado aos estrangeiros é outra novidade. Habitualmente os terroristas da Caxemira preferem matar hindus, adeptos da confissão majoritária no país. De muitas formas, na semana passada a Índia viveu o seu 11 de Setembro.
Com 19 milhões de habitantes, Mumbai não é apenas a quarta maior cidade do planeta. É também a capital financeira e cultural da Índia. Abriga a principal bolsa de valores do país e também Bollywood, a segunda maior indústria cinematográfica do mundo. O hotel Taj Mahal é um dos cartões-postais da cidade. Localizado em frente ao Portão da Índia, monumento erguido em homenagem à visita do rei George V, em 1911, o hotel é o ponto de encontro de ricos, celebridades e chefes de estado. O indiano Suketu Mehta, autor de um famoso guia de Mumbai, recorreu a uma analogia para explicar a onda de choque causada pelos atentados: "Seria como se terroristas tivessem tomado os hotéis Four Seasons e Waldorf-Astoria em Nova York e depois corressem pela Times Square atirando na multidão".
Não havia, até o fim da semana, um balanço exato do número de reféns mortos. Um policial das forças especiais contou ter encontrado entre quinze e vinte corpos em um único quarto do Taj Mahal. Histórias dramáticas dos dois dias vividos sob a ameaça dos terroristas só agora começam a emergir. O italiano Emanuele Lattanzi, chef do restaurante do hotel Oberoi-Trident e uma celebridade na Índia, conseguiu escapar. Mas voltou mais tarde, preocupado com a filha de 6 meses, que estava em um quarto com a mãe. Lattanzi cruzou com terroristas armados nos corredores e conseguiu levar uma lata de leite em pó à família, que foi resgatada sem ferimentos mais tarde. Em geral, depois de um atentado, o governo indiano sabe onde procurar os responsáveis: eles estão no Paquistão.
Nunca foram sanadas as feridas da divisão da Índia em dois países, um deles o Paquistão, de população muçulmana, que causou a morte de 1 milhão de pessoas em 1947. Os dois países travaram três guerras e vivem em estado de prontidão na fronteira da Caxemira. Pelo menos um dos terroristas capturados e identificados é paquistanês e membro do Lashkar-e-Taiba, ou "Exército dos puros". Criado em 1989 com o patrocínio do serviço secreto do Paquistão, esse grupo terrorista é responsável por muitos atentados na Índia. A inteligência paquistanesa, bastante infiltrada por fanáticos muçulmanos, é conhecida incubadora de terroristas. Uma de suas criações é o Talibã, que tanto horror causa no Afeganistão. Nos últimos anos, às voltas com os próprios terroristas islâmicos e sob pressão dos Estados Unidos, o governo paquistanês vem tentando controlar seus cães e estabelecer uma relação pacífica com o indiano. Mas é duvidoso que controle os extremistas incrustados em suas forças armadas. "Há fortes indícios de que os ataques tão bem orquestrados em Mumbai tiveram a ajuda estrangeira, e os terroristas que vivem no Paquistão são os principais suspeitos", disse a VEJA o cientista político australiano Greg Barton, diretor do Centro do Islã e Mundo Moderno da Universidade de Monash, na Austrália.
A Índia está ansiosa para saber se os terroristas de Mumbai são realmente um grupo enviado do exterior. As tensões entre a maioria hinduísta e a minoria islâmica, que soma 150 milhões de pessoas, estão em ponto de ebulição. Desconhecido até pelos serviços de inteligência indianos, não se sabe se um tal Mujahedins do Decã, grupo que assumiu o atentado da semana passada, realmente existe, se é apenas um nome fictício ou se faz parte de outra organização terrorista maior. A mera insinuação de que militantes domésticos possam ter aderido à jihad global fez soar o alarme na Índia. Até agora, os indianos levantavam as mãos para o céu em agradecimento pelo fato de o país não ser um foco de proliferação de adeptos da guerra santa global. Os atentados em Mumbai mostram que a situação mudou. A Índia se transformou na nova frente de batalha dos fanáticos inspirados por Osama bin Laden.
ARMADOS E PREPARADOS
À esquerda, terrorista invade o terminal ferroviário de Mumbai. À direita, bote inflável usado pelos terroristas para chegar à cidade. Os atentados surpreenderam pela sofisticação e pela escolha de alvos estrangeiros |
BANHO DE SANGUE
AFP |
Policial acompanha sobrevivente no terminal ferroviário de Mumbai: fuzis e granadas em nome de Alá