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Se havia alguma dúvida de que Cássio Cunha Lima é um político capaz de abusar de suas prerrogativas quando lhe convém, ele mesmo tratou de dirimi-la no epílogo do exercício de seu mandato como governador da Paraíba. Na quinta-feira, 20, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu por unanimidade cassar Cunha Lima por uso dos recursos do estado para obtenção de benefícios eleitorais.
Na segunda-feira, 24, a maioria governista na Assembléia Legislativa de João Pessoa fez dez sessões extraordinárias e aprovou um festival de aumentos nos gastos do estado. Reajustou salários do funcionalismo (em alguns casos à razão de 100%), autorizou contratação de novos servidores, adiantou a aprovação do Orçamento de 2009 e, como já havia anunciado a antecipação do pagamento do 13º, deixou toda a bomba armada para estourar na mão do sucessor.
Um gesto realmente à altura do veredicto do TSE. Em português rude, o governador foi condenado à perda do mandato porque, no entendimento da Justiça, usou dinheiro público para comprar votos.
Na campanha pela reeleição, em 2006, a Fundação Ação Comunitária distribuiu 35 mil cheques no valor total de R$ 4 milhões, a título de benemerência social. Cunha Lima defendeu-se alegando completo desconhecimento a respeito da distribuição do dinheiro, uma iniciativa da diretoria da fundação ligada ao governo do estado.
Os ministros do TSE não acreditaram na independência da entidade, cujos propósitos fizeram-se ainda mais suspeitos quando se descobriu que os recursos não se destinaram necessariamente a minorar as agruras da pobreza. Foram achados rastros da verba no pagamento de planos de saúde, na contratação de artistas, no pagamento de tevê a cabo (algo aqui soa familiar), uma situação elegantemente definida pelo ministro Eros Grau como de "marcante descontrole na distribuição de valores financeiros na proximidade do pleito".
Ainda assim, no fim de semana, entre a decisão judicial e a farra final da abertura dos cofres às corporações amigas, Cássio Cunha Lima deu entrevistas dizendo-se injustiçado: "Fui condenado pelo que não fiz." Recebeu a solidariedade dos companheiros de partido, o PSDB, foi simbolicamente abraçado da tribuna do Senado por parlamentares de muitas agremiações, correlatas e adversárias.
Todas deixadas com cara de tacho diante do monumental recibo que Cássio Cunha Lima resolveu passar, corroborando que de fato não tem pudor em usar a máquina pública como propriedade privada.
Aproveitou os últimos momentos de posse da prerrogativa de manipular verbas públicas para armar um legado em forma de arapuca ao substituto – o segundo colocado na eleição, ex-governador José Maranhão, também alvo de processos na Justiça Eleitoral – e preparar as bases para a campanha de senador em 2010.
Pela sentença, fica inelegível só até 2009. Popular, Cássio Cunha Lima certamente terá a legenda do PSDB garantida, votos a mancheias assegurados, cabos eleitorais desde já arregimentados entre os favorecidos pelos aumentos, um mandato praticamente conquistado e nenhuma responsabilidade sobre as contas públicas estouradas.
Seu partido, o legítimo dono do mandato, conforme recente determinação judicial, não impôs nenhum reparo. Isso a despeito de ter sido o inventor, fiador, propagador e guardião da responsabilidade fiscal.
Mas, como na política vale a regra da aplicação da lei a cada um de acordo com suas amizades, o tucanato fez-se de morto. Não deu sinal de considerar a folia paraibana nem de longe parecida com a gastança patrocinada pelo governo federal.
Quando a coisa se refere ao PT é chamada de irresponsabilidade, aparelhamento, aproveitamento, ultraje ao pudor e qualificativos assemelhados. Bem merecidos, note-se. Agora, quando um governador do partido faz o que fez Cássio Cunha Lima pelo pior dos motivos (porque quis, podia, tinha a caneta, o Diário Oficial e a maioria na Assembléia) à disposição na praça, o PSDB chama de injustiça e presta solidariedade.
No partido que se pretende em breve de volta à Presidência da República, há os esforços dos governadores José Serra e Aécio Neves para construir a imagem de responsabilidade e eficiência. Mas há o empenho de um Cássio Cunha Lima em alimentar a face do atraso que, não tendo o repúdio da direção, lícito concluir que mereça dela aprazível acolhimento.
Quase garoto, 24 anos, Cunha Lima chegou à Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, como uma grande promessa da nova geração de líderes. Vinte anos depois, é a materialização do espírito carcomido da velhíssima política em sua mais anacrônica expressão.
Em 1988 nascia o PSDB, produto da revolta dos modernos contra os retrógrados do PMDB. Chegou ainda verde ao poder, produziu os grandes avanços da estabilidade, das privatizações, das regras de Estado acima das circunstâncias de governo, mas quando o assunto é prática política, reza pela cartilha arrivista dos velhos coronéis.