NOVA YORK. Mesmo que tenha sido publicado num período em que ninguém está muito atento à leitura, mais preocupado com o período de festas — que, nos Estados Unidos, começa com o Dia de Ação de Graças, festejado na última quinta-feira, e vai até o Natal —, o editorial do “The New York Times” de ontem sobre o que deveria ser a política do futuro governo Obama para a América Latina tem o mérito de trazer à discussão pública, e quem sabe chamar a atenção de um assessor ou outro da futura administração, uma parte da política externa que tudo indica não será prioritária, mas terá importância por motivos diretos citados pelo jornal americano: é da América Latina que saem para os Estados Unidos um terço de suas importações de petróleo (a maior parte da Venezuela), a maioria de seus imigrantes e “virtualmente toda sua cocaína”.
No que se refere ao Brasil, o passo mais importante seria eliminar as tarifas para a importação do etanol, o que, segundo o “Times”, ajudaria também na política de redução da dependência de petróleo.
Esse é o ponto fundamental da discussão do livre comércio, pois, para as exportações brasileiras, segundo os especialistas, mais importante que o fim dos subsídios aos produtores de etanol de milho seria a abertura do acesso ao mercado americano, com o estabelecimento de uma cota de importação livre de taxas.
Neste momento, o Brasil não tem condições de elevar substancialmente suas vendas de etanol para os Estados Unidos, pois isso provocaria desabastecimento do mercado interno.
O estabelecimento de uma cota daria aos produtores brasileiros tempo e segurança para realizarem os investimentos exigidos pela nova situação.
São poucas, no entanto, as possibilidades de ser retomada uma agenda de livre comércio nos Estados Unidos diante da crise econômica que pode vir a ser uma recessão já no início do próximo ano.
Por isso também foi impossível para o governo Bush aprovar no Congresso o tratado de livre comércio com a Colômbia, pois a bancada democrata majoritária é mais protecionista que a republicana.
O melhor exemplo vem do próprio Barack Obama e da futura secretária de Estado, Hillary Clinton.
Os dois votaram contra as propostas de renovação de fast track, a permissão para o governo negociar acordos de comércio sem a aprovação prévia do Congresso.
O tratado com o México, negociado no governo de Bush pai e aprovado em pleno governo Clinton, trouxe problemas para a então candidata Hillary Clinton, que disputou com Obama durante as primárias quem era mais contra o Nafta.
A maioria democrata ampliada no Congresso deverá continuar ativamente contra o Nafta, os acordos de livre comércio com a Coréia e com a Colômbia e a Rodada de Doha.
Os sindicatos estão cada vez mais ativos na defesa dos empregos nos EUA, e o livre comércio é o principal responsável pelo desemprego crescente, nessa ótica sindical.
Cada um dos temas levantados pelo “Times” — petróleo, imigração e drogas — tem implicações políticas importantes, a começar pela nova política de imigração que deve ser levada a efeito pela futura ministra de Segurança Interna, Janet Napolitano, que também é a responsável pela repressão interna ao tráfico de drogas.
De acordo com o relatório publicado em outubro pelo centro de pesquisas Pew Hispanic Center, no ano de 2050 um em cada três americanos será de origem hispânica. Hoje, são 45 milhões de latinos, que representam 15% da população dos Estados Unidos.
Nada menos que 57% dos latinos registrados para votar se dizem democratas. Dos que votaram em novembro, quase 70% escolheram Obama, o que significou, entre outras, uma vitória na Flórida que reverteu uma predominância republicana que garantiu a vitória de Bush na polêmica eleição de 2000.
O presidente eleito, Barack Obama, parece inclinado a mudar o foco da política de combate às drogas levada a efeito na Colômbia, que não deu resultado.
O caráter estritamente militar do Projeto Colômbia, que mistura a repressão aos cartéis de drogas colombianos com o combate à guerrilha, tem dado certo no plano de segurança interna, mas não deu conta de reduzir a produção de cocaína, cujo destino final na maior parte é o consumo interno nos Estados Unidos.
A política de Obama combinaria estímulos econômicos para que a Colômbia se desenvolvesse por conta própria — e nesse caso aprovar o tratado de livre comércio seria prioridade — e o combate mais efetivo dentro dos EUA para a redução do consumo.
Um outro eixo da política externa na América Latina tem a ver com o antiamericanismo comandado pelo presidente da Venezuela, o cada vez mais ditatorial Hugo Chávez.
Com a crise, o preço do petróleo despencou e a política externa de Chávez está perdendo sua capacidade de financiar países como Cuba, Argentina, Nicarágua, o que pode levá-lo a radicalizar cada vez mais a política interna, como parece estar acontecendo, sobretudo agora com os recentes acordos militares com a Rússia, cujo presidente, Dmitri Medvedev, andou circulando pela região, mostrando os músculos em Brasília, Caracas e Havana.
Ao mesmo tempo, a oposição venezuelana vai ganhando terreno com o fracasso das políticas populistas, o que pode dar aos Estados Unidos um espaço político para agir no continente.
O “Times” sugere que o embargo econômico a Cuba seja levantado para distender a situação política na região.
Sejam quais forem os passos da futura administração com relação à América Latina, o Brasil ocupa lugar de destaque nessa estratégia, e a provável nomeação de Hillary Clinton para a Secretaria de Estado será um bom sinal, pois a senadora por Nova York conhece bem o país e suas potencialidades.
Entrevista:O Estado inteligente
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