Os fundos privados de aposentadorias e pensões, conhecidos como AFJP, foram criados em 1994, no governo Menem, para substituir a previdência oficial. Inicialmente voluntária, a adesão aos fundos privados foi baixa no começo do processo. Por isso, o governo praticamente a tornou compulsória. Atualmente, os fundos têm 9,5 milhões de participantes e seu patrimônio totaliza US$ 30 bilhões.
Dominado pelo Executivo, o Congresso aprovou o projeto de estatização dos fundos em menos de um mês, dando ao governo a possibilidade de se apropriar das contribuições pagas pelos participantes das AFJP e, assim, utilizá-las para compensar uma possível quebra de suas receitas tributárias tradicionais em razão da queda das exportações de grãos, dos preços das commodities e do consumo interno. Será difícil o governo atingir a meta de superávit primário de 3% do PIB neste ano e mais difícil ainda será alcançá-lo em 2009, quando a Argentina terá pesados vencimentos externos num momento de aguda escassez de financiamentos. E 2009 é um ano eleitoral em que os Kirchners - a presidente Cristina e seu marido e ex-presidente Néstor - podem estar jogando seu futuro político.
A estatização dos fundos de pensão é o mais recente ato do governo Kirchner na direção da nacionalização de empresas e instituições. Desde o início da era Kirchner, há pouco menos de seis anos, o governo argentino já patrocinou, e em muitos casos forçou, a transferência do controle para o Estado de 12 empresas - entre elas algumas que haviam sido privatizadas - e vem pressionando duramente os controladores de outras 6, que até agora estão conseguindo resistir, para que vendam suas empresas a grupos nacionais previamente escolhidos por critérios políticos pelos Kirchners.
Com a estatização dos fundos de pensão, o governo argentino passa a ter participação no capital de cerca de 40 empresas de diferentes setores, como os de distribuição de gás, telecomunicações, produtos siderúrgicos, financeiros e imobiliário. Em alguns casos, sua participação lhe dará o direito de indicar diretores.
O caso das AFJP é o mais recente de uma onda de renacionalizações que, de acordo com o jornal La Nación, a Argentina nunca tinha visto. Ainda em julho, o governo reestatizou a empresa Aerolíneas Argentinas, e sua subsidiária Austral - ambas respondem por mais de 80% dos vôos domésticos e a Aerolíneas detém mais de 50% das linhas internacionais -, que há 19 anos tinha sido vendida para a empresa espanhola Marsans.
Para críticos do governo, o caso da Aerolíneas é típico do modo kirchneriano de forçar grupos estrangeiros a vender suas controladas no país. O congelamento das tarifas por cinco anos levou à asfixia financeira da empresa e à deterioração de suas condições operacionais - em julho, o caos atribuído à pratica de overbooking pela Aerolíneas prejudicou milhares de passageiros, inclusive brasileiros -, o que levou ao endividamento insuportável e à desvalorização da empresa, afinal retomada pelo governo.
Grupos estrangeiros foram forçados pelo governo - por meio de congelamento de tarifas, rigorosa e seletiva fiscalização tributária, campanhas populares para que os argentinos não consumissem seus produtos e até pressões e ameaças diretas de autoridades - a vender o controle de suas empresas na Argentina a empresários indicados pelas autoridades. Alguns cederam, como a Aguas Argentinas, que controlava o serviço de águas e esgotos, e os controladores de alguns ramais ferroviários. Outros, como Shell e Esso - que negociavam a venda de suas filiais argentinas à Petrobrás -, resistiram, mas pagaram um preço alto por isso.