A Petrobras vai ser sempre a empresa número um no imaginário brasileiro. Criada por uma campanha popular, motivo de justificado orgulho, peça-chave na economia do Brasil. Isso não a blinda contra críticas, verificações, debates do país. Criticá-la não é torcer contra. Ela está sob o escrutínio dos contribuintes, dos consumidores, dos acionistas.
Ela é estatal, mas tem acionistas privados. Isso cria uma série de ambigüidades que uma boa direção da companhia deveria evitar.
Não deve ser instrumento de governo, nem usar o governo como se não houvesse uma superação entre poder público e empresa.
É uma empresa forte, com reservas crescentes, que tem uma extraordinária história de crescimento. Por ter como acionista controlador o Tesouro, e por ter milhões de acionistas minoritários, tem que prestar contas, ter accountability e transparência.
Se a revelação do empréstimo para capital de giro veio de um senador da oposição, as críticas feitas pelos jornalistas especializados, como lembrou no seu blog o jornalista Ilimar Franco, foram técnicas.
A operação Caixa Econômica Federal-Petrobras levantou dúvidas razoáveis, que devem ser esclarecidas da forma natural com que qualquer empresa enfrenta um momento como este. A empresa não precisa ser defendida pelo governo com argumentos enrolados na bandeira nacional.
Na resposta da Petrobras, na última quinta-feira, ela informou que gastou R$ 4,9 bilhões subsidiando o diesel.
É uma informação espantosa, por vários motivos. O diesel é um ferida na imagem da empresa. Quem acompanhou o debate sabe que o Conama aprovou uma resolução, em 2002, para reduzir o teor de enxofre no diesel, que é de 500 partes por milhão (ppm) nas grandes cidades e 2.000 partes por milhão no resto do país. No México já é 50 ppm, nos Estados Unidos, 10 ppm, na Europa, 5 ppm. O mundo caminha para limpar o enxofre do diesel, pelos terríveis efeitos nocivos que ele tem na poluição atmosférica e na saúde da população.
A empresa não fez a transição, assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) jogando isso para mais tarde. Teria que ter o novo produto disponível em todo o país no dia 1º de janeiro de 2009, mas o diesel com 50 ppm só será usado por ônibus do Rio e de São Paulo. No resto, vai ser usado o diesel com 1.800 ppm.
A informação lateral que se tem, a partir do caso Caixa-Petrobras, é que a empresa tem comprado lixo no mundo. O mundo não quer mais um diesel tão sujo.
E o contribuinte e o acionista têm subsidiado o consumo de um produto que o consumidor, se pudesse escolher, rejeitaria. É uma situação absurda.
Foi por causa do diesel sujo que a Petrobras foi punida pelo Conar, e não pode se definir como empresa ambientalmente responsável, e acabou de ser afastada do Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa. Isso pode ter reflexos no exterior, nas bolsas onde a empresa é cotada. Mais barato teria sido cumprir a resolução do Conama e investir nos últimos anos na tecnologia do diesel limpo.
Aliás, segundo o Movimento Nossa São Paulo, a empresa tem tecnologia para fazer o produto.
— O mais grave é que a Petrobras tem tecnologia para produzir o diesel mais limpo e seguir os Estados Unidos e a Europa. Ela tem condições, sabe disso, mas posterga a entrada em vigor do diesel mais limpo — diz Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo.
Segundo Oded, responsabilidade social implica que uma empresa cuide, também, do meio ambiente, o que a Petrobras não está fazendo nessa história do diesel. Para ele, a saída da empresa do Índice de Sustentabilidade Empresarial vai ter impacto em todo o mundo, já que só três bolsas têm esse índice no mundo (Londres, Nova York e São Paulo) e porque entidades respeitadas compõem o Conselho do ISE, como International Finance Corporation (IFC) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
— A posição da Petrobras tem repercussões econômicas.
Há fundos que têm na sua carteira empresas selecionadas por sua responsabilidade social, e a empresa deve deixar de fazer parte de carteiras desses fundos, aqui e lá fora.
O caso do “prejuízo” com o diesel revela também a falta de transparência na formação de preços. Eles deixaram de ser controlados pelo governo para serem definidos pela empresa, mas ela passou a ter uma política totalmente incompreensível.
Manteve os preços ao consumidor congelados e subiu os preços cobrados das empresas para nafta, querosene de aviação, óleo combustível e outros. Isso criou dois critérios, dos quais só se pode entender que foi uma escolha política.
Sim, a Petrobras é uma grande empresa e vamos todos torcer para que ela se mantenha saudável, investindo, empregando, pesquisando, encontrando petróleo, entrando em novas áreas. Mas é natural que os brasileiros queiram dela que não abuse do seu poder de mercado, respeite as normas ambientais, tenha critérios contábeis transparentes, seja financeiramente cuidadosa, ainda mais em épocas de crise.
Principalmente, que não reaja a cada crítica como se isso fosse traição à pátria. Ela não é o Brasil. É uma empresa de capital brasileiro.
Entrevista:O Estado inteligente
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