Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 22, 2008

A morte de um sonho americano?

Veja

A GM, a Ford e a Chrysler pedem ajuda para sobreviver.
Se não conseguirem, não faltarão carros, mas será o fim
de um estilo de vida simbolizado pelos carrões


Thomaz Favaro e Cíntia Borsato

 

Larry Downing/Reuters
OS PEDINTES Presidentes da Ford, e da GM no Senado americano. Abaixo, o Chevrolet Bel Air, o queridinho da América nos anos 50

The Image Bank/Getty Images

A era dos carrões, que Detroit representa tão bem, pode desaparecer? Na terça-feira da semana passada, os presidentes da General Motors (GM), da Ford e da Chrysler, os maiores fabricantes de automóveis dos Estados Unidos, apareceram diante de um comitê do Senado para pedir socorro. Eles desfiaram previsões catastróficas na tentativa de convencer os políticos de que uma ajuda de 25 bilhões de dólares é um preço razoável a ser pago para evitar o colapso de suas companhias. Há duas possibilidades: ou o governo salva a Ford e a GM (a Chrysler, a menor das três, só escapa se encontrar um comprador) ou ambas pedem concordata. O que pesa na balança vai além da questão econômica. O colapso da trinca de Detroit seria a sentença de morte de um estilo de vida americano.

Os fabricantes americanos foram os responsáveis pela popularização do automóvel – e o resultado é um país sobre rodas. Nos Estados Unidos, há 900 carros para cada 1 000 habitantes com idade para dirigir. A produção do Ford T a partir de 1908 fez com que o automóvel deixasse de ser um artigo de luxo e passasse a ser consumido em massa. Das linhas de montagem de Detroit saíram gerações de sonhos de consumo, como Mustang e Corvette. O Chevrolet Bel Air de 1955 tornou-se rapidamente o queridinho da América e é o símbolo da virada da GM sobre a Ford.

Hoje, as vendas de carro na América do Norte estão no nível mais baixo desde a década de 80. A GM, que acumula 20 bilhões de dólares de prejuízo em 2008, diz que sem ajuda do governo não tem dinheiro em caixa para sobreviver até o fim do ano. A Ford ainda tem liquidez para suportar alguns meses mais. "Se a ajuda não vier, essas empresas provavelmente vão pedir concordata", disse a VEJA o americano Alexander Edwards, presidente da divisão automotiva da consultoria Strategic Vision. "Da concordata podem surgir três montadoras menores e mais eficientes, mas esse processo prolongaria a agonia da economia americana por pelo menos mais um ano." Não há risco de faltarem carros nas lojas, pois os japoneses e alguns recém-chegados, como os chineses e os indianos, podem suprir a demanda. Mas o consumidor americano custa a acreditar que a GM, por 37 anos a maior empresa do mundo, esteja nessa situação.

A morte dos gigantes de Detroit já foi anunciada várias vezes – e logo ficou claro que o alarde era exagerado. A Grande Depressão de 1929 varreu as pequenas concorrentes do mapa, deixando apenas três grandes empresas – Ford, General Motors e Chrysler – produzindo carros no país. Essa supremacia permaneceu incontestável apesar da crise do petróleo de 1973 e da chegada dos carros japoneses ao mercado americano, nos anos 80. Na década de 90, as três grandes voltaram a lucrar apostando no que sabem fazer de melhor: automóveis grandes, potentes e sedentos por gasolina. Dessa vez, eram os utilitários esportivos.

A alta do preço do petróleo e a crescente preocupação com o meio ambiente fizeram com que os consumidores americanos mudassem seus hábitos de compra. Os modelos grandes passaram de prediletos a elefantes brancos. "A crise atual é a primeira a ameaçar a sobrevivência das principais empresas, a Ford e a General Motors", disse a VEJA o americano Noel Tichy, professor de administração da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e ex-consultor da Ford. A Chrysler já havia sido salva pelo governo em 1979. O plano de ajuda que está sendo discutido no Congresso é, na verdade, um veredicto sobre o fim da era do típico carro americano. O mercado já deu sua palavra: as ações da GM caíram 90% no último ano. "O jogo já foi ganho pelas montadoras japonesas", afirma Tichy. "O que está em discussão são os 3 milhões de empregos que podem ser perdidos caso a ajuda não venha."


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