Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 27, 2008

Brincando com a reforma dos impostos: Rolf Kuntz O Estado de S. Paulo

Antigamente se acusava o governo de não fazer a lição de casa. A acusação continua valendo, embora muita coisa tenha melhorado a partir dos anos 90. Muito menos freqüente é dirigir essa mesma censura à oposição. É hora de corrigir essa falha. A oposição brasileira tem sido relapsa e incapaz de tratar com seriedade e competência assuntos da maior relevância, como a reforma tributária. Há poucos temas tão importantes quanto esse para a modernização do País, para o crescimento da produção e do emprego e para a inserção da economia no mercado internacional. Impostos e contribuições de baixa qualidade são uma das principais desvantagens comparativas do Brasil. Esse fato é conhecido mundialmente e incluído em quase todas as tabelas comparativas de competitividade. É assunto para gente grande, para políticos e administradores púbicos de gabarito. Onde está essa gente?

Na Câmara dos Deputados, uma Comissão Especial acaba de aprovar o substitutivo do relator ao projeto de reforma tributária. A próxima etapa deve ser a votação no plenário, em dois turnos. A oposição tem ameaçado obstruir. Seus integrantes ora contestam a oportunidade da reforma, ora concentram as críticas no mérito da proposta. São argumentações inteiramente distintas. Não é hora de mexer no sistema, dizem alguns, lembrando a crise internacional e o risco de perdas para os Estados.

Há quem ponha em dúvida a constitucionalidade do Imposto sobre o Valor Adicionado Federal (IVA-F). Os partidos de oposição, segundo o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), apontaram no texto 20 pontos de discordância. O tucano paulista Antônio Carlos Mendes Thame citou perdas previstas para os chamados Estados produtores. Mas há dúvidas sobre o montante dessas perdas e a oposição prometeu para a próxima semana a apresentação de um cálculo.

Mas nesta altura pelo menos os principais interessados deveriam ter feito os cálculos, divulgado os números e provocado uma discussão pública sobre o assunto. Deveriam ter cobrado as projeções do lado governista e comparado os números. Se há dúvida quanto à constitucionalidade de algum dispositivo, terá surgido só agora? Os oposicionistas, segundo disseram, têm objeções a 20 pontos do texto aprovado pela Comissão Especial. Quem viu um debate sério sobre o assunto durante a tramitação do projeto?

Alguns defeitos do projeto são evidentes. Um deles é o prazo muito longo para a implementação das mudanças. Em oito anos pode haver mudanças enormes na economia mundial, mas será esse o tempo necessário para a plena vigência de algumas inovações, como a apropriação do crédito fiscal relativo a mercadorias destinadas ao ativo permanente. Pensou-se muito no interesse dos Tesouros estaduais e muito pouco nas necessidades de um setor produtivo sujeito a uma competição global cada vez mais dura. Outro defeito indisfarçável é o processo previsto para a anulação de incentivos fiscais considerados incompatíveis com a ordem tributária. Se as decisões dependerem de votação no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), os governos mais interessados em manter a guerra fiscal tenderão a prevalecer. O desequilíbrio no tratamento dessa questão era visível desde a primeira versão da proposta. Houve muito tempo para se tratar do assunto - e, de fato, de todos os demais pontos importantes.

Mas não houve empenho. A oposição, incluído o PSDB, só se mobilizou para tratar da reforma tributária quando já se aproximava o momento de votar o texto do relator na Comissão Especial. Quanto à oportunidade, também não se justifica nenhuma dúvida. A reforma tributária está em discussão há uns 15 anos, pelo menos, e nesse tempo o sistema se tornou cada vez mais inadequado às condições do País. Nesse período, a economia brasileira se abriu e os produtores nacionais passaram a enfrentar, fora e dentro do País, a concorrência de empresas muito menos oneradas por impostos e contribuições irracionais. Se o projeto é defeituoso, a solução razoável é tentar consertá-lo, no Senado, se for o caso. O resto é uma combinação de desleixo e oportunismo. A oposição só não está sozinha nesse triste episódio porque a base governista cometeu os escorregões habituais. O PMDB, por exemplo, tentou enxertar no texto mais um refinanciamento de débitos tributários. As empresas brasileiras tornaram-se muito melhores desde a abertura e aproximaram-se dos bons padrões internacionais. Não houve nada parecido, no caso dos políticos.

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