O Globo
Em reunião com políticos brasileiros no início de seu mandato, George Bush surpreendeu-se com a informação de que havia negros no Brasil. Foi preciso que sua então assessora de segurança, Condoleeza Rice, uma negra de grande qualidade intelectual, lhe dissesse que o Brasil é o maior país de população negra fora da África. Barack Obama não cometerá esse equívoco patético.
Tampouco deixará de estar plenamente ciente de que o Brasil é a quarta maior democracia, a nona economia do mundo e um participante cada vez mais relevante da cena internacional. Por isso, creio que dará grande atenção a nosso país, ainda que não o faça no primeiro momento de seu governo em que problemas gravíssimos demandarão prioridade.
Será muito importante a colocação inicial do relacionamento bilateral por parte do governo brasileiro. Insistir em temas que certamente têm méritos, mas estão totalmente bloqueados no momento, como a famosa cadeira permanente no Conselho de Segurança, só pode conduzir a frustrações. A inexplicável visita do ministro Amorim a Teerã foi também um gesto gratuito que, se acompanhado do convite ao presidente Ahmadnejad para visitar o Brasil, não deixará de prejudicar seriamente as nossas credenciais para a elevação de patamar do Brasil no cenário internacional.
Ao contrário de freqüentar personagens excluídos do convívio da comunidade internacional, a afirmação da autonomia brasileira deve ser feita por tudo que há de positivo na presença internacional de nosso país: o vigor e a robustez crescentes da economia, a existência de instituições consolidadas e provadas, a ordem jurídica estável, a crescente atuação de nossas grandes empresas no mercado internacional, uma história diplomática centenária e respeitável.
Fala-se muito no protecionismo de Obama e de seu partido, o que é em geral verdadeiro.
Mas, no que diz respeito às nossas relações bilaterais, a tradicional ligação sindical que impulsiona esse protecionismo importa pouco, já que as manufaturas que exportamos hoje para os Estados Unidos não são mais, como há trinta anos, concorrentes de indústrias americanas declinantes: calçados, ferro-gusa, têxteis e confecções etc... Hoje nosso problema é com o protecionismo agrícola do Farm Act, que distorce a concorrência com enormes subsídios à produção doméstica e mantém fora do mercado americano os produtos mais competitivos do Brasil — o açúcar, o suco de laranja, a carne e, sobretudo agora, o etanol. A superação gradual dessas barreiras, que é advogada por importantes setores da economia e da opinião pública nos Estados Unidos, seria a maior contribuição que o presidente Obama poderia dar às nossas relações bilaterais comerciais.
Há muitas outras áreas em que os dois países poderiam aumentar sua cooperação e seu entendimento mútuo. A primeira delas é, com o apoio do governo Obama, um maior papel do Brasil no processo de decisão global nas instituições que emergirem da atual crise econômica como um G-8 expandido ou nos processos de consulta e decisão, como o preconizado recentemente por Robert Zoellick, o presidente do Banco Mundial. Estou seguro de que o Brasil deverá participar ativamente desses novos diálogos.
Outra área promissora para o diálogo Brasil-Estados Unidos é a questão tão premente e atual das mudanças climáticas.
Ambos os países até aqui não aceitaram a disciplina das metas obrigatórias para as emissões de CO2. Mas no processo de negociação de um acordo pós-Kioto, deveremos atuar em coordenação com os demais grandes responsáveis atuais pela criação do efeito estufa — China, Rússia, Índia — que ainda estão alheios a essa disciplina essencial para o futuro do planeta.
Obama já se comprometeu a dar passos nesse rumo. O Brasil tem a mesma responsabilidade.
Com a eleição de Barack Obama, surge a oportunidade de levar mais longe a cooperação Brasil-Estados Unidos. Nas palavras de um influente deputado federal brasileiro, citado em importante pesquisa feita pelo professor Amauri de Sousa para o Cebri, que sintetizam de modo perfeito o rumo possível: "Em face dos Estados Unidos, nossas relações devem buscar um equilíbrio entre cooperação e disputa, ao preço ou da capitulação dos interesses do Brasil ou do confronto, com o qual não temos nada a ganhar. É preciso ter um ambiente de franqueza e cooperação até para podermos colocar na mesa os contenciosos." Creio que, com o presidente Obama, os Estados Unidos saberão metabolizar a difícil realidade de seu menor poder relativo em virtude das várias e enormes crises que esta década lhes trouxe. Com isso, abrir-seaacute; um novo horizonte de diálogo e de poder no qual o Brasil poderá estar inserido se fizer a sua parte.
Entrevista:O Estado inteligente
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