Um governador cassado e outros sete ameaçados de perder os mandatos por abuso de poder nas eleições é um fato expressivo, embora resulte da amplamente disseminada prática do uso dos instrumentos de Estado em benefício privado.
A novidade está na conduta da Justiça Eleitoral. Habitualmente leniente na aplicação rigorosa da lei, principalmente no que diz respeito a candidatos eleitos, o Tribunal Superior Eleitoral acabou de cassar o mandato do governador Cássio Cunha Lima, da Paraíba, e promete para breve o julgamento dos processos contra os governadores de Sergipe, Amapá, Tocantins, Santa Catarina, Maranhão, Roraima e Rondônia.
Descontados os detalhes específicos, as infrações são da mesma natureza: pouco caso em relação ao que a lei permite ou proíbe e absoluta ausência de cerimônia no trato da coisa pública. Isso tanto pode ser traduzido na compra de votos mediante distribuição de benefícios ditos sociais, como no uso indevido dos meios de comunicação ou na propaganda eleitoral fora do prazo permitido.
Uma espécie de financiamento público de campanha sem lei e na marra comum a todos os partidos, muitas vezes incentivado por demandas da própria população e tradicionalmente tolerado pela Justiça.
Como os prazos judiciais são muito mais lentos que o tempo eleitoral, quando uma denúncia chega a ser julgada por todas as instâncias - comprovada, portanto, que não é produto de vingança do adversário - o acusado, se eleito, já cumpriu boa parte do mandato. Diante do fato consumado, à Justiça restava fazer vista grossa baseada no princípio amplamente aceito de que a palavra do eleitor além de definitiva é sagrada, não cabendo a um tribunal decidir de forma diferente.
Essa regra plena de cinismo serviu durante anos à impunidade da quase totalidade de governantes que se valem do acesso à máquina pública para favorecer a si e aos seus aliados no processo eleitoral. Isso independentemente de ser ou não candidato à reeleição.
A norma serve até hoje no Congresso para o arquivamento de processos internos contra parlamentares reeleitos e é usada também para evitar abertura de ações por atos cometidos em período anterior ao mandato.
Depois dos escândalos de 2005, o Judiciário revolveu mudar o curso das coisas. Passou a ser mais rigoroso, interpretou a legislação onde era omissa e passou a ser acusado de extrapolar.
Quando cumpre a lei conseqüentemente desagrada a quem se acha acima desse detalhe. Tudo muito bom, mas ainda incompleto, como se vê pela lista de governadores ameaçados: só chefes de Estados política e economicamente irrelevantes.
Isso quer dizer que os outros se conduzem dentro dos melhores costumes? Nem de longe. As constantes reclamações do presidente Luiz Inácio da Silva contra exigências legais, as repetidas infrações do governo federal e de governos de Estados de ponta como São Paulo, Rio e Minas Gerais (abusados à exaustão na última eleição municipal) comprovam.
Não obstante a existência de provas bem mais substanciais, os maiorais ainda estão fora do alcance do ativismo judicial, cuja perfeição só será atingida se o "dura lex, sed lex" for igual para todos.
Omertà
No controle da Funasa há três anos, o PMDB atribui o plantel de falcatruas na entidade a "gestões anteriores", mas não explica se fala sobre a gestão de Paulo Lustosa, antecessor do atual presidente Danilo Forte, ambos do PMDB, ou sobre o período 2003-2005, quando a fundação esteve sob controle do PT.
Se o PMDB não está assumindo a conta da corrupção e do mau desempenho de que falam os relatórios do Tribunal de Contas da União, as denúncias do Ministério Público e também o ministro José Gomes Temporão, está repassando a fatura ao companheiro de aliança.
Em qualquer hipótese, o que se tem é uma capitania eivada de irregularidades crescentes, protegida por um pacto de silêncio quebrado pelo ministro da Saúde num momento de desatenção.
Recuperadas a frieza e a concentração no objetivo principal - a manutenção do controle do feudo -, voltou a reinar a conivência tácita.
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É o segundo lance perdido pelo ministro da Saúde para questões de natureza política. No caso do PMDB, fisiológica.
Para o PT, Temporão perde no campo dos interesses corporativos. Há um ano e meio o ministro tenta sem sucesso aprovar no Congresso um projeto de lei que transforma os hospitais públicos em fundações de direito privado, a fim de instituir critérios de qualidade mais próximos da iniciativa privada no atendimento da população que usa o sistema estatal.
Há algum tempo o ministro parou de falar no assunto, engatado na Comissão de Trabalho da Câmara, sem data para engrenar nem respaldo aparente por parte do Palácio do Planalto. |