Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 07, 2008

Papel de bala Luiz Garcia


O Globo - 07/11/2008

O que transforma fatos em notícias? Jornalistas sabem que não há uma resposta única - e nem sempre fácil - para a pergunta.

Pode-se dizer que a notícia é o fato inusitado, na contramão do que seria lógico e previsível. Assim, existiria notícia se um homem mordesse um cachorro, por exemplo; ou quando um baixinho botasse um grandalhão para correr.

Mas fatos absolutamente previsíveis e esperados também merecem registro. Como a chegada do Natal e a aproximação do carnaval. Ou o anúncio de que haverá sol no domingo. Naturalmente, a mídia acha que é seu dever registrar crimes e tragédias - mas também abre espaço para o motorista que devolveu a carteira recheada, para o policial que prendeu o bandido ou a mãe que reencontrou o filho perdido.

Há mais notícias sobre bancos assaltados do que sobre bancos que se casam? Com certeza, pela simples razão de que há mais assaltos do que fusões.

Parece simples e óbvio, mas o presidente Lula não concorda com nada disso. Outro dia, reclamou indignado do destaque dado por jornais ao fato de que ele jogara no chão um papel de bombom durante a inauguração de uma usina.

Na sua irritação, Lula extrapolou: "Será que a nossa cabeça está condicionada a achar que o bom é obrigação fazer, e apenas o ruim tem que se mostrar?"

Na verdade, realmente é obrigação do homem público fazer o que é bom, e também nem só o ruim tem de ser mostrado. A mídia, se faz direito o seu trabalho - e costuma fazer, sob pena de perder circulação e audiência -, mostra o papel de bala no chão sem negar aos cidadãos todas as informações que lhes interessam sobre a obra inaugurada. A coexistência com o registro negativo não reduz a importância e a repercussão do fato positivo.

A queixa de Lula - que não é o primeiro a fazê-la, o que não significa que esteja necessariamente em boa companhia - teria procedência se noticiários de TV e rádio e páginas de jornais e revistas fossem dominados por episódios irrelevantes. Mas não são.

Na verdade, aqui como em qualquer outro lugar onde haja liberdade de imprensa, a mídia procura apresentar ao público uma mistura do importante com o interessante. Natural e óbvio: é precisamente isso que os cidadãos gostam de saber e precisam conhecer.

Se os jornalistas são bons no seu ofício - o que não é nenhum bicho-de-sete-cabeças - não há competição entre os dois tipos de informação. Caso não sejam, o cidadão naturalmente procurará um outro veículo, que tenha profissionais competentes. É simples assim.

Era relevante, por exemplo, abrir espaço para as queixas do presidente. Até mesmo para que receba a solidariedade dos cidadãos que concordam com ele. Vai ver, tem muita gente por aí que adora jogar papel de bala no chão.

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