Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 08, 2008

MILLÔR

A CRISE. Com a bênção de Deus

Fui, como você, envolvido pelo redemoinho, furacão, tsunami. Prudente porém, tímido mesmo, ouvi todos os comentários de Senadores, Mentores, Gestores, Cientistas Políticos e Demiurgos Sociais, que encheram páginas de jornais e tempo infinito em canais de televisão com explicações as mais claras. Compreensíveis até por mim. Consegui entender o seguinte:

Não sei como foi com você, mas a mim tudo isso, embora muito claro, também me pareceu muito pragmático. Mas, pensei, pragmatismo por estrabismo, por que não seguir a Igreja, tão sábia e tão pragmática através dos tempos? Consegue justificar tudo, uma lição para esses sábios da escritura (na Igreja é a da Bíblia, nas finanças é do Caixa 2).

Há bem pouco – pouco pra Santíssima são 1 000, mas vamos falar só dos últimos 20 anos. A Santíssima tinha um gênio das finanças crapulosas, o arcebispo Marcinkus. Bem, sou o único cientista laico que, além de acreditar no DNA humano – de quem você vem –, descobriu algo mais importante, o DNA geográfico – de onde você vem. Marcinkus veio de Cícero, Chicago, a mesma cidade em que nasceu, viveu e prosperou Al Capone. Que não adianta vocês, moralistas, chamarem de famigerado. Pois se aparecer um novo filme sobre ele (ou repetirem um antigo, com Paul Muni, Mickey Rooney, James Cagney ou Rod Steiger) vocês saem correndo pra ver. Mas e se algum de vocês ainda acredita na prisão definitiva de Capone, tire o cavalo da chuva. Ele ficou só dois anos em Alcatraz. Passou os dez últimos anos de sua vida no bem-bom (um tanto sifilítico), em Miami.

O crime compensa, minha gente!

Voltando a Marcinkus. O Banqueiro de Deus fez prosperar o Instituto de "Obras Religiosas" – Banco do Vaticano – e foi importante dirigente da "Santa Aliança", a segurança do Papa. Nomes bonitos pra coisas tão feias é porque a Santa Madre sabe muito bem que, se chama de pata o rabo da vaca, a multidão de tolos, perdão, fiéis, passará a jurar que a vaca tem cinco patas.

Marcinkus (tive a glória de vê-lo dar um safanão num jornalista, em pleno meio-dia, quando o Papa visitava o Cristo Redentor) esteve envolvido com a máfia (principalmente os chefes Gambino e Calvi, que, este, acabou enforcado numa ponte de Londres) e implicado no assassinato do Papa João Paulo I. Mas, quando a Justiça italiana o condenou, o Vaticano continuou a protegê-lo. Quer dizer, vivia muito bem no Vaticano, mas não podia atravessar a rua, para a Itália. Porém a interdição durou só dois anos e ele passou os dez últimos anos de sua vida perto de sua cidade natal, de volta a Chicago.

Claro que o crime compensa, pessoal.

Como aliás ficou mais uma vez demonstrado nesse quebra-quebra global em que os primeiros limpos foram os donos dos grandes conglomerados financeiros, perto dos quais os escândalos do Vaticano são pé de página.

O crime et cetera e tal, companheiros!

Mas, voltando à insuperável sabedoria econômico-financeira da Igreja, a ser imitada.

Como a gaita andava curta no século XIV e aquelas fantasias de baiana que todos usam no Vaticano custam uma nota preta, o Papa João XXII inventou o sistema global (da época) para perdoar os pecados dos crentes – isto é, todo mundo, por medo ou interesse – e encher o cofres do Santo Ofício. Passou a vender indulgências, o que possibilitava a qualquer rico pecar impunemente, desde que pagasse a multa. Isso era garantido pela superabundância de méritos dos santos. Que, claro, eram sempre melhores do que precisavam para salvação das próprias almas. O excesso de virtudes era guardado num depósito celestial denominado "Thesaurus Meritorum Sanctorum (conjunto dos méritos dos santos)". E desse tesouro os Papas podiam transferir virtudes pra qualquer um cuja contabilidade virtuosa estivesse no vermelho. E o tesouro jamais se exauria, pois contava com os inexauríveis méritos do próprio Cristo. O papado podia vender infinitamente: tinha sob seu controle o Banco Central de salvação.

Comecei concitando (!) o mundo financeiro a seguir os sábios passos financeiros da Igreja. Mas agora me lembro de que o mundo há muito seguiu esses passos. Ou vocês nunca ouviram falar em PARAÍSOS fiscais?

Andorra; Angola; Antígua e Barbuda; Antilhas Holandesas; Aruba; Comunidade das Bahamas; Bahrein; Barbados; Belize; Ilhas Bermudas; Campione d’Italia;

Ilhas do Canal (Alderney, Guernsey, Jersey e Sark); Ilhas Cayman; Chipre; Cingapura; Ilhas Cook; República da Costa Rica; Djibuti; Dominica; Emirados Árabes Unidos; Gibraltar; Granada; Hong Kong; Lebuan; Líbano; Libéria; Liechtenstein; Ilhas Maurício; Mônaco; Ilhas Montserrat; Nauru; Ilha Niue; Sultanato de Omã; Panamá; Federação de São Cristóvão e Nevis; Samoa Americana; Samoa Ocidental;

San Marino; São Vicente e Granadinas; Santa Lúcia; Seychelles; Tonga; Ilhas Turks e Caicos; Vanuatu; Ilhas Virgens Americanas; Ilhas Virgens Britânicas; Luxemburgo; Ilha da Madeira; Maldivas; Malta; Ilha de Man; Ilhas Marshall.

Até agora, no meio de todo esse tumulto, ninguém mexeu com eles. São mais de 50. Se em média cada um guardar um bilhão, isso, multiplicado por 67 países, dá uma quantia que, ainda não chegando a trilhão, chega bem perto.

Rico, no, mamita?

Arquivo do blog